Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, enquadrou o caso Elon Musk em moldura clara, concisa e objetiva: “Decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado. Essa é uma regra mundial do Estado de Direito e que faremos prevalecer no Brasil”.
Nem precisou nominar Musk, cujas excentricidades na busca pelo poder para controlar uma área vital à economia mundial, e com independência em relação ao Estado, enquadram-se numa categoria descrita pelo humorista Aparicio Torelly, mais conhecido como Barão de Itararé: “Tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro”.
O juiz Alexandre de Moraes deu ao empresário uma valiosa oportunidade de marketing. E ele aproveitou — a Starlink, uma das empresas de Musk, começou a vender no Brasil pacotes de internet via satélite pela metade do preço (basta uma conexão privada, tipo VPN, e a rede fica imune a interferências).
O tambor de Musk também anima a charanga da extrema direita contra o Supremo, dono de notável coleção de equívocos — da Lava Jato ao inquérito das fake news no qual o juiz Moraes acaba de encaixar o empresário.
Juízes de cortes superiores são políticos vestidos de toga. Em regimes democráticos têm poder, autonomia e dever institucional de decantar, reconhecer e corrigir as próprias falhas em processos públicos, com transparência à sociedade. Bom começo seria o fim do sigilo do inquérito sobre a disseminação de notícias falsas, que completou cinco anos.
É fundamental, porém, não esquecer a natureza da crise: o governo e o Congresso escolheram deixar o país no vácuo, sem normas sobre a manipulação política nas plataformas digitais e, também, sem esclarecer as atribuições constitucionais das Forças Armadas (artigo 142), questionadas na recente e fracassada tentativa de golpe de Estado.
Na semana passada, o Supremo interveio nas duas situações. Lembrou às empresas privadas de internet que operam no país a obrigação de “respeito à Constituição Federal, à lei e à jurisdição brasileira”. Ao mesmo tempo, esclareceu a inexistência de “poder moderador” entre Executivo, Legislativo e Judiciário, recordando que a Constituição impõe às Forças Armadas posição subalterna e de controle permanente dos poderes civis.
Governo e Congresso decidiram se omitir no projeto de regulação das plataformas digitais que há tempos vagueia entre gavetas legislativas. Partidos políticos há três décadas evitam debater políticas nacionais de defesa e de segurança. Essa deliberada omissão política abriu espaço para sucessivas intervenções do Judiciário.
Executivo e Legislativo driblam a prioridade ao interesse público. A preferência na agenda é por emendas orçamentárias, negociáveis e encobertas por discursos convenientes sobre “liberdade”, “soberania”, “autonomia” — e, ocasionalmente, “democracia”.