Desde o viagra, a pílula azul que devolveu o vigor sexual masculino lançada em 1998, a comunidade médica e os pacientes não lidavam com medicamentos capazes de causar intensa curiosidade, procura e até desabastecimento. Nos últimos dois anos, no entanto, uma nova classe de fármacos – a semaglutida – inaugurou uma era de perda de peso para pacientes com obesidade e diabetes que ainda não tinha sido experimentada: dos índices de redução de 5% a 10% com drogas antigas, foi alcançado um patamar superior a 15%. Agora, fármacos em teste apresentados no último congresso da Associação Americana de Diabetes (ADA, na sigla em inglês) apontam resultados mais eficazes, com emagrecimento de até 24,2%, um claro sinal de que o tratamento da obesidade deve ganhar aliados para avançar no tratamento e diminuir estigmas.
Entre os estudos debatidos entre os dias 23 e 26, o da droga retatrutide, embora de fase 2, foi o que se mostrou mais promissor. Em 11 meses, os voluntários que receberam a dose mais alta testada perderam 24,2% do peso corporal. As expectativas para a próxima etapa de ensaios clínicos (a fase 3) é elevada, tendo em vista que, com um prazo mais longo de estudos, há possibilidade de a redução de peso ser ainda maior. É importante saber que, se atingirem índices em torno dos 30%, os medicamentos vão alcançar os mesmos resultados de uma cirurgia bariátrica, mas sem a necessidade de procedimentos cirúrgicos e suas possíveis complicações.
O salto desses fármacos é atuar com hormônios ligados à sensação de saciedade, ao metabolismo da glicose e ao controle energético no corpo. No caso da retatrutide, o diferencial é agir em três hormônios: GLP-1, GIP e glucagon, enquanto outros focam em um ou dois.
“Estamos vendo dados promissores de medicações com programas de estudos bem estruturados e que têm mostrado, de forma robusta, eficácia e segurança. As perspectivas se tornam muito interessantes, porque, no futuro, podemos pensar em deixar a terapia cirúrgica para determinados pacientes e ajudar aqueles que têm dificuldade de acesso e esperam por anos na fila”, afirma Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
O orforglipron tomado em versão oral diariamente levou a perdas de peso entre 9,4% e 14,7% em testes que duraram 36 semanas. Um dos pontos positivos do candidato a remédio para obesidade diz respeito ao acesso, por ter potencial de ser mais barato e contar com métodos mais fáceis de produção em larga escala.
Ensaios com medicamentos que já são reconhecidos por reduzir peso e controlar diabetes, como a tirzepatida (Mounjaro) e a semaglutida (Ozempic e Wegovy), continuam sendo realizados, mas em diferentes dosagens e combinados com outras moléculas. Os desfechos são igualmente promissores e com o potencial de ajudar, inclusive, a reduzir o problema do forte preconceito contra as pessoas que vivem com a obesidade. Em testes clínicos dessa natureza, os voluntários não recebem apenas medicações ou placebo e aguardam algum resultado. Eles entram em um programa para inclusão de hábitos saudáveis com mudanças na alimentação, realização de exercícios e acompanhamento profissional para que se mantenham comprometidos com essas atividades dentro do cronograma previsto.
Um exemplo disso foi o estudo com tirzepatida para pacientes com obesidade e diabetes. Quem recebeu o remédio, teve 15,7% de perda de peso. No grupo placebo, o índice foi de 3,3% em 1 ano e meio, relatou o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da USP de Ribeirão Preto, que esteve no evento da ADA. “Isso mostra que obesidade não é falta de vontade, é uma doença que merece respeito e tratamento.”
Para o futuro, a expectativa é de que novas moléculas sejam descobertas e que o tratamento medicamentoso conte com um variado arsenal. “Várias empresas estão fazendo remédios diferentes, cada um com uma composição. Com a concorrência, os pacientes podem ter acesso a bons medicamentos com preços acessíveis”, avalia Bruno Halpern, endocrinologista e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). “Estamos evoluindo de alguma forma para mudar o cenário de diabetes e obesidade no mundo. Essas revoluções são uma inovação dentro da doença que não tínhamos visto nas últimas décadas”, completa.
Um desafio adicional será controlar o consumo desenfreado e sem recomendação médica desses medicamentos, que se tornaram famosos entre celebridades e pessoas que querem fazer uso estético, ignorando que nenhum remédio está livre de efeitos colaterais. Neste caso, alterações gastrointestinais, como náuseas, vômitos e diarreia. Eles são direcionados para ajudar na luta para interromper epidemias em curso. Caso da diabetes, que pode atingir uma população de 1,3 bilhão de pessoas em 2050, e tem a obesidade como seu principal fator de risco.