Novos medicamentos prometem reduzir em mais de 20% o peso dos obesos
O resultado é semelhante ao da cirurgia bariátrica. E o melhor: sem efeitos colaterais graves
A história da medicina é marcada pela busca incessante por métodos capazes de combater o excesso de peso corporal. O célebre médico grego Hipócrates (460 a.C.-377 a.C.) acertou ao difundir a ideia de que alimentação equilibrada e atividades físicas frequentes são aliadas fundamentais contra a obesidade, mas errou ao defender o indefensável aos olhos de hoje — o uso de substâncias laxativas e indutoras de vômito. Muitos anos depois, um professor italiano de medicina, Sanctorius Sanctorius (1561-1636), passaria grande parte da vida sentado numa máquina de pesar para descobrir quanto engordava depois de cada refeição, antecipando, mesmo que de modo anedótico, a ciência do metabolismo que surgiria no século XX e, por que não, a obsessão em perder peso.
Assunto que há muito tempo pauta discussões no campo da saúde, a obesidade tem sido cada vez mais alvo de estudos de diferentes especialidades médicas e da indústria de fármacos. No mundo, o número de portadores da doença triplicou entre 1975 e 2021, chegando a 1 bilhão de pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a incidência dobrou em dezessete anos. Dados como esses explicam por que causou barulho e interesse na comunidade científica um anúncio feito há alguns dias pela farmacêutica americana Eli Lilly. Segundo a empresa, um novo medicamento foi capaz de reduzir em mais de 20% o peso de obesos durante um ensaio clínico que durou 72 semanas. Em testes da fase 3 — portanto, já bastante avançados —, 2 539 participantes receberam a substância tirzepatida. De acordo com os resultados finais, seus pesos caíram entre 16% (na dose mínima de 5 mg) e surpreendentes 22,5% (15 mg).
A pesquisa utilizou o que o mercado chama de padrão-ouro para a obtenção de evidências científicas: foi um estudo duplo-cego randomizado, o que significa que os participantes e os pesquisadores não sabiam quem estava tomando a droga ou o placebo. “Entramos em uma nova era de cuidados com a obesidade”, celebrou, em entrevista a VEJA, Nadia Ahmad, diretora médica sênior da Eli Lilly. “Esperamos que inovadores tratamentos continuem a avançar, ajudando as pessoas a viver sua vida ao máximo.” Como muitas vezes ocorre no desenvolvimento farmacêutico, a descoberta dos benefícios da tirzepatida é resultado da combinação de diversos fatores. Entre eles, a persistência dos pesquisadores e, reconheça-se, uma certa dose de sorte.
Nos estudos realizados nos últimos vinte anos, os cientistas notaram que, em determinadas dosagens, remédios voltados para diabetes tipo 2 ajudavam pessoas com obesidade, e mesmo aquelas sem essa condição, a eliminar peso. Isso se dá porque as drogas atuam em receptores de hormônios produzidos pelo pâncreas e pelos intestinos, e cuja função primordial é regular o controle energético do corpo e o metabolismo da glicose, além de interferirem em áreas do cérebro que controlam o apetite (leia quadro). Apesar de ainda não ter aval para ser usado com esse fim específico — o de eliminar os indesejados quilos extras em pacientes obesos —, o medicamento da Eli Lilly é o que mais se aproxima dos 30% de diminuição de peso alcançados, em média, pela cirurgia bariátrica, conhecida popularmente como de redução de estômago. A experiência médica mostra que essa técnica é eficaz e certamente continuará a ser usada nos próximos anos. Ela, contudo, exige preparativos complexos, que incluem até acompanhamento psicológico, e traz, como todo procedimento cirúrgico, alguns riscos. Substituí-la por um único medicamento, portanto, representaria um alívio e uma possível revolução para milhares de pessoas.
A tirzepatida pode, de fato, trazer avanços. As medicações disponíveis atualmente permitem uma redução de peso entre 10% e 15%, resultados relevantes não só para combater a obesidade, mas para evitar doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, problemas nas articulações e complicações associadas à doença. Ou seja, a diminuição do peso acima de 20%, como promete a tirzepatida, representaria um passo adiante. Contudo, é necessário ter calma. Como ainda é preciso autorização de agências regulatórias como a americana Food and Drug Administration (FDA), o remédio não estará disponível no curto prazo. “É uma nova perspectiva, porque nenhuma outra medicação alcançou resultados semelhantes”, afirma a presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Maria Edna de Melo. “Mas é preciso esperar os estudos finais e saber que serão medicamentos de alto custo. Não temos noção do preço da tirzepatida.”
A mais recente medicação já introduzida no mercado para os tratamentos contra a obesidade foi a semaglutida, presente no remédio Wegovy, da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk. Ele foi aprovado pela FDA em 2021, após um hiato, desde 2014, sem novas opções para tratar a condição. Na dose de 2,4 mg de injeção aplicada uma vez por semana, o Wegovy reduziu o peso dos obesos em 17%. No Brasil, a substância foi submetida à análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ainda não deu parecer final. “O mecanismo de ação é o que diferencia a nova geração dos medicamentos dos antigos”, pontua Priscilla Mattar, diretora médica da Novo Nordisk. “Além disso, eles têm um efeito interessante na ingestão alimentar, podendo reduzi-la em até 35%.”
Num passado não tão distante, as drogas para tratar a obesidade cobravam um preço alto de seus usuários. As anfetaminas começaram a ser usadas nas décadas de 40 e 50 como inibidoras de apetite, mas traziam efeitos colaterais indigestos, como dependência, ansiedade e problemas cardiovasculares. Ainda assim, continuaram a ser ingeridas por muito tempo. No Brasil, a classe dessa substância é proibida pela Anvisa desde 2011, medida reforçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. Os novos remédios não estão livres de efeitos colaterais, mas a literatura médica mostra que eles são brandos perto do que faziam os medicamentos do passado. Entre os principais eventos adversos relatados pelos participantes de estudos recentes estão náuseas, diarreia, vômitos e constipação.
A obesidade é relatada desde a Antiguidade. Suas primeiras representações têm 35 000 anos, conforme revelaram achados arqueológicos. Em esculturas de marfim, apresentadas pela primeira vez 2009 no periódico científico Nature, os povos da Idade da Pedra fizeram figuras femininas corpulentas, um indício, segundo os cientistas, do ideal de corpo avantajado que resistiria melhor às condições de frio extremo. Ao longo da história, contudo, o modelo de corpo perfeito passou a excluir os que tinham quilos a mais. Com o advento dos meios de comunicação de massa e da publicidade, os muito magros passaram a ser admirados e invejados. Ao mesmo tempo, a má alimentação e o sedentarismo — estimulado inclusive pelo desenvolvimento tecnológico — produziram milhões de gordos em praticamente todos os países.
Até pouco tempo atrás, a ciência não compreendia todas as nuances de exagerados quilos extras, problema de saúde ligado essencialmente a questões hormonais e que independe, sob diversos aspectos, da vontade de seus pacientes. Não se sabia disso antes. “É preciso reconhecer que a obesidade é uma doença complexa e parar de achar que é culpa do próprio indivíduo”, afirma Cintia Cercato, endocrinologista e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
Obviamente, a prática regular de exercícios e a alimentação equilibrada, exatamente como sugeriu Hipócrates há dois milênios, previnem e eliminam o excesso de peso, mas existem situações em que apenas os remédios ajudam — e não convém sentir culpa diante dessa constatação. Para esses casos, a nova geração de medicamentos traz doses de esperança. A obesidade deixou de ser há muito tempo um assunto ligado à estética. Ela é, acima de tudo, uma questão de saúde, que muitas vezes pede remédio.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788