Novos remédios para emagrecer bombam em vendas e viram alvo de preocupação
Celebridades nas redes sociais transformaram esses produtos num fenômeno pop... e problemático
A chegada de uma nova geração de medicamentos para a obesidade apontava um divisor de águas no tratamento dessa condição crônica e encarada como pandemia pelas principais entidades de saúde mundiais. Em 2021, a agência regulatória americana encerrou um jejum de sete anos e liberou o Wegovy, remédio à base de semaglutida com capacidade de reduzir até 17% do peso corporal em menos de um ano, feito inédito entre fármacos contra a obesidade. Daí os holofotes se acenderam. Não só para essa medicação, aprovada neste ano no Brasil, mas também para seu parente mais famoso, o Ozempic, formulado originalmente para tratar o diabetes tipo 2.
Mas as redes sociais e as declarações de celebridades (incluindo o bilionário Elon Musk) transformaram esses produtos num fenômeno pop… e problemático. Entidades médicas publicaram cartas abertas demonstrando preocupação com o uso indevido dessas drogas para fins estéticos e sem recomendação em bula. E, ao lado do fabricante, o laboratório Novo Nordisk, elas alertam para a falta dos medicamentos a quem realmente precisa deles.
Não é de hoje que remédios para emagrecer despertam interesse da população. A perda de peso é um processo complexo e nem sempre o binômio clássico do tratamento, dieta e exercício, surte o resultado esperado. Medicações se tornam, assim, uma via mais rápida para se livrar dos quilos excedentes. Ocorre que elas têm indicações claras em bula, desenhadas após estudos conduzidos por anos. Enquanto o Ozempic é voltado a pacientes com diabetes tipo 2, o Wegovy destina-se a indivíduos com obesidade — índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30 — ou sobrepeso (IMC acima de 27) com doenças associadas, caso de diabetes e pressão alta.
Na realidade, porém, tem gente recorrendo a elas apenas para entrar no terno ou no vestido de festa. É um fenômeno global que levanta discussões sobre a influência das mídias sociais na automedicação e o acesso fácil a remédios do gênero. No Brasil, o Wegovy (dose semanal de semaglutida de 2,4 miligramas) recebeu aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em janeiro, mas só deve chegar às drogarias no segundo semestre. Mas seu primo Ozempic (dose de 1 miligrama), ainda que não seja voltado oficialmente à perda de peso, tem sido adquirido em larga escala, com ou sem receita médica, como um caminho mais curto para enxugar as medidas.
E aí o que era bom começa a se complicar. A semaglutida representa um avanço no tratamento da obesidade — drogas mais antigas para essa finalidade levavam a uma redução de no máximo 5 a 10% do peso. “Mas ela acaba sendo eclipsada por um uso meramente estético, comentado até no último Oscar”, diz o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Na cerimônia, o apresentador Jimmy Kimmel fez uma piada associando a beleza das celebridades de Hollywood aos efeitos do Ozempic.
Nos Estados Unidos, o uso desenfreado desses remédios chegou a um nível alarmante. Desde novembro de 2022, com a escassez do Wegovy, começou o desabastecimento do Ozempic, que, apesar da indicação formal para diabetes, já vinha sendo empregado em caráter off-label (fora da bula) para emagrecer. Na Austrália, autoridades sanitárias reportaram limitações do estoque e solicitaram que a população entrasse em listas de espera apenas com indicação médica para uso do medicamento.
Especialistas brasileiros temem que algo parecido possa ocorrer por aqui. “A gente ainda está aprendendo a lidar com tudo isso, com a difusão nas mídias sociais e a velocidade com que as coisas circulam”, diz Marcela Caselato, gerente médica do Novo Nordisk, que chegou a mandar mensagens de celular a pacientes alertando para um possível desabastecimento nas drogarias.
Embora fundamental, o tratamento do ganho de peso vive um estranho paradoxo nos dias de hoje. Ao mesmo tempo que o Atlas Mundial da Obesidade prevê que um em cada quatro adultos conviverá com a condição até 2035 (no Brasil, o número pode dobrar em relação ao atual), soluções eficazes acabam sendo banalizadas e utilizadas pelas pessoas erradas. Será preciso reequilibrar essa balança.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836