Seres humanos convivem com pets (lobos, no início da relação) há milênios. Calcula-se que a proximidade tenha começado entre 40 000 e 20 000 anos atrás, quando os primeiros animais foram domesticados na Europa, provavelmente por interesse mútuo: uns ganhavam restos de comida sem fazer esforço, outros se sentiam protegidos, nas caçadas, de ataques de predadores. De lá para cá, a ligação se estreitou a ponto de bichos de estimação fazerem parte da família, usarem roupas, frequentarem manicure e cabeleireiro, serem tratados com acupuntura e florais e outros mimos alheios à vida selvagem. Só faltava sair para almoçar ou jantar fora. Não mais: restaurantes no Rio de Janeiro e em São Paulo, principalmente, oferecem, junto com o cardápio regular, um menu com os mesmos pratos adaptados ao cliente de quatro patas.
O afago gastronômico é uma extensão do conceito pet friendly (sofisticados que são, os bichinhos deitam e rolam nos termos em inglês), adotado em toda parte, com direito até a placa oficial — bares, lanchonetes e restaurantes que não só permitem a entrada de cães como oferecem água fresca, biscoitinhos e manifestações de carinho à vontade. Só no Rio são mais de 250, e parte deles já empreendeu a passagem do mero petisco ao prato caprichado servido pelo garçom, que em geral custa pouco menos da metade do equivalente para humanos. Um dos pioneiros, o bar Noo Cachaçaria, no Centro, oferece cãoxinha (recheada de frango e batata-doce), aumôndega e cãocrete (5,60 reais duas unidades), tudo no formato consumido por gente, só que feito com carne crua e sem tempero. Também consta do cardápio canino um pudim de banana, mel, iogurte e polvilho (9 reais). O QCeviche!, restaurante peruano na orla de Copacabana, adaptou para o gosto canino um de seus carros-chefes, o lomo saltado. No prato, ele é composto de filé mignon, arroz, batata e molho temperado. Na tigela, simplifica-se em carne crua picada e arroz (34 reais).
Nesses restaurantes, os clientes caninos são bem-vindos, mas têm de seguir o protocolo social: permanecer de coleira, sentar no chão (por enquanto) e não latir. Animais de grande porte costumam ser acomodados na área externa. “O ambiente precisa ser acolhedor para todos”, justifica Vanessa Marzano, dona do Noo. Em São Paulo, a sorveteria Le Botteghe Di Leonardo criou o peppino (11,50 reais), um picolé de fruta feito com iogurte orgânico sem lactose e sem açúcar, uma fruta ou legume ralado, gota de mel orgânico e um ossinho no lugar do palito. No Tea Connection, de comida natural, a gerente de produtos Carol Reine divide a mesa com o schipperke Shoyu e o vira-lata Gohan. A família mora em apartamento e ela, quando sai para passear, faz questão de levá-los. “Eu me informo sobre onde ir nas redes sociais. Tem de ser um lugar em que eles possam interagir, em vez de ficar sentados esperando que a gente acabe de comer”, ensina.
Segundo o IBGE, o Brasil tem a segunda maior população de cães do mundo — 54,3 milhões, mais do que crianças. Esse saltitante mercado, que já vinha crescendo havia tempos, expandiu-se mais ainda durante a pandemia: o faturamento de 50 bilhões de reais previsto para 2021 é 22% maior que o do ano passado, que já havia superado em 15% o de 2019. Aproveitando o impulso, Erik Jacquin, o chef-celebridade, assina a linha Plat du Jour, latinhas com apetitosos pedaços de carne bovina e de frango vendidas em pet shops e mercados. Por sua vez, a Padaria Pet, de São Paulo, abriu uma rede de franquias que já conta com 29 lojas e vai inaugurar mais quatro até o fim do ano. Na Pet, os bichinhos podem se deliciar, in loco ou levando para casa, degustando mais de oitenta produtos, de petiscos — pipocas, biscoitos, chocolates (de mentirinha) — a pratos prontos, como arroz de carreteiro, carne de panela e risoto de frango. “Nosso espaço foi todo pensado para os animais”, diz o sócio Arquelau So. “Não é só para comprar comida e ir embora. Queremos que eles aproveitem a visita.” Bom apetite.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766