O churrasco na casa da funkeira carioca Ludmilla viralizou na internet. O motivo? Ela postou a foto de uma peça de carne com a etiqueta de preço. O valor: mais de 1 000 reais. O que havia de tão especial? A origem. Era um corte de wagyu, carne proveniente de um boi de berço japonês. Pela extrema maciez e sabor refinado, caiu no gosto dos amantes da alta gastronomia e decolou no mercado global.
As exportações nipônicas do alimento aumentaram mais de 200% nos últimos cinco anos (até Marck Zuckerberg anunciou futuro investimento em fazendas da raça). O Brasil faz parte dessa mesa ávida pela iguaria. A proposta por aqui é torná-la mais acessível com o incremento da criação local por meio da mistura dos bois puro-sangue com outros tropicalizados. Tudo para atender a uma demanda crescente de gente que pode ou quer pagar por um filé diferenciado. O quilo do lombo do kobe beef, um dos cortes mais famosos de wagyu, chega a custar 2 000 reais.
A carne de matriz japonesa tem pedigree e um rito de certificação. Há regras rigorosas para atestar a procedência e a produção — do pasto ao prato. Além do paladar, a aposta pelo wagyu se deve também ao melhor perfil nutricional. Análises mostram que, embora tenha muita gordura, ela é de um tipo que não faria mal à saúde. Isso se deve a uma combinação entre fatores genéticos da raça e manejo adequado, com nutrição de primeira linha e respeito ao bem-estar dos animais. Alguns têm até direito a música, sessões de massagem e goles de cerveja.
O reflexo do cuidado se vê nos cortes que chegam aos chefs. “Com a wagyu, conseguimos cortes não tradicionais, pois a gordura se dissolve mais fácil”, diz Chico Mancuso, do Rincon Escondido, restaurante especializado em carnes de São Paulo.
Boi japonês
A raça oriental que conquistou o mundo existe há centenas de anos. Foi introduzida no Japão por volta do século II, a princípio como força de trabalho no cultivo de arroz. Os bichos têm uma musculatura robusta, atributo essencial para subir e descer as montanhas íngremes daquela região. Os wagyu evoluíram lentamente e chegaram a ser uma espécie de segredo local por mais de 200 anos até a Restauração Meiji, que abriu os portos do país em meados do século XIX. O movimento incentivou a importação de raças europeias, levando a cruzamentos e a uma maior diversidade genética, que culminou nos prestigiados bois modernos.
Nos últimos 50 anos, os wagyu passaram a ser criados na Europa, nos EUA, na Austrália e no Brasil. Estima-se que o rebanho nacional tenha cerca de 7 mil cabeças, divididas entre 72 pecuaristas, de acordo com a Associação Brasileira de Criadores de Bovinos da Raça Wagyu (ABCBRW). Dados da entidade mostram que, entre 2022 e 2023, foram abatidos 2 300 animais, entre puros e cruzados, e já houve aumento de 6% nos primeiros dois meses de 2024.
Os números são acompanhados pelo Programa Carne Wagyu Certificada, que garante a rastreabilidade do gado no país. Já na Austrália, a procura pelo alimento catapultou nos últimos 12 meses. “Eu diria que aumentou 300%”, declarou Peter Gilmore, diretor da Irongate Wagyu, empresa que vende a carne por até 450 dólares o quilo.
O trunfo dos cortes de wagyu é o marmoreio, característica vista a olho nu que se deve ao acúmulo de gordura intramuscular — bem maior nessa raça. “É o que faz com que a carne seja suculenta e derreta na boca”, afirma André Mifano, chef do restaurante Donna, na capital paulista. No Japão, existe até uma tabela de classificação: quanto mais marmorizada a peça, mais cara ela é. “A qualidade da gordura importa”, diz Amalia Sechis, proprietária da Beef Passion, que cria bois wagyu no Brasil.
Para garantir essas particularidades, o abate do animal ocorre aos 30 meses de idade, sendo que, nos últimos 12, ele é confinado para receber uma dieta altamente energética. “A alimentação tem de ser cuidadosamente balanceada”, afirma o chef Fábio Lazzarini, do D.inner, que, ao lado do pai, Sylvio Lazzarini, do Varanda Grill, é fã de wagyu. Para a dupla, nenhuma carne a supera.
Embora o mercado esteja aquecido, a criação nacional — que poderá resultar em cortes mais acessíveis —, depende de investimento: da compra de sêmen e embriões certificados a todo o controle e suplementação dietética. Custa caro. E, com água na boca, tem gente disposta a dividir essa conta.