A decisão do ministro Edson Fachin de manter em prisão domiciliar o deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP) foi além de simplesmente garantir ao ex-prefeito de São Paulo a chance de não permanecer atrás das grades, dado o seu delicado estado de saúde. Ao evitar que fosse posta em julgamento a revisão do habeas corpus anterior, do ministro Dias Toffoli, ele preservou seu poder como relator da Operação Lava Jato.
Quando enviou o deputado afastado para casa, na capital paulista, Toffoli concedeu um pedido que Fachin, também relator do processo de Maluf, havia negado. Pelo atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), um ministro não pode, sozinho, alterar a decisão de um colega. Caso o plenário do STF confirmasse a decisão de Dias Toffoli, estaria aberto o precedente para que situações como essa se replicassem – incluindo em processos da Lava Jato.
“Se os ministros tivessem analisado o habeas corpus, eles poderiam concordar que isso era possível de uma forma geral. Ao concedê-lo de ofício, o ministro Fachin tratou única e exclusivamente do caso concreto do deputado Paulo Maluf, evitando a discussão do cabimento de habeas corpus desse tipo. Dessa forma, não se criou um novo precedente”, explicou Conrado Gontijo, professor da pós-graduação em direito penal do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP).
Decisões ditas “de ofício” são as deliberadas pelo juiz ou tribunal mesmo sem um pedido formal da defesa ou da acusação. Tratam-se de medidas judiciais partidas da avaliação dos fatos pelo responsável da ação, que delimita de forma mais livre os parâmetros de sua decisão, além dos eventuais benefícios e obrigações a serem cumpridos pelo réu.
A importância da questão cresce em um Supremo polarizado, com posições muito diversas entre seus ministros. Firme em algumas posições, como a prisão após condenação em segunda instância, Edson Fachin poderia ficar sujeito a ter suas decisões na Lava Jato revistas por outros colegas, conforme o sorteio de futuros pedidos.
Três dos magistrados contrários às prisões provisórias e de postura garantista (que prioriza mais direitos dos réus) – Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o próprio Toffoli – tentaram pressionar pela discussão do aspecto geral da questão. Diante da controvérsia, Fachin decidiu sozinho a questão. Assim, o habeas corpus de Toffoli perdeu o objeto (resolvia algo já atendido por outra decisão) e foi retirado de pauta.
“Eu imagino que seria interessante que o Tribunal discutisse essa questão, até para estabelecer um critério – se em casos de liberdade, por exemplo, isso é possível. Eles poderiam fazer isso estabelecendo algumas limitações para evitar que se abrisse essa possibilidade muito ampla de ministros revendo as decisões de outros. É uma discussão importante”, argumenta Gontijo.
‘Mínima atividade judicante’
A atuação de Fachin na Lava Jato incomoda parte dos colegas, ao manter monocraticamente prisões preventivas alongadas, aceitar com mais facilidade acordos de delação premiada e recusar pedidos de liberdade de réus condenados em segunda instância. No entanto, na sessão de ontem, até o ministro Marco Aurélio, conhecido por sua postura garantista, defendeu a tese de que a concessão da prisão domiciliar fosse feita de forma específica para o caso
Marco Aurélio falou em decidir com “o mínimo de atividade judicante” – isto é, da forma mais célere possível. Como o tema foi posto em pauta já próximo do fim da tarde, era possível que a sessão terminasse sem uma decisão sobre o caso de Maluf. “Não era um tema simples, eles teriam que entrar em muitos artigos e a situação específica ficar em segundo plano”, complementou o professor do IDP-SP.
Diante do cenário, Fachin dificilmente conseguirá evitar que o assunto volte a ser discutido futuramente, mas ganhou uma sobrevida como “o senhor da Lava Jato” no Supremo. “Um aspecto que pode ser interessante a todos é que, da forma como ficou, separou-se o caso emblemático do tema. É como se a prisão em segunda instância tivesse sido alterada a partir do caso do ex-presidente Lula. Ficaria marcado”, concluiu Gontijo.