Logo na entrada do restaurante Osteria Del Rosso, em São Paulo, as barras de um trilho de trem fincadas no chão sinalizam uma experiência que põe à mesa comida e história. Neste caso, a dos imigrantes italianos que desembarcaram na estação ferroviária na Zona Leste da capital paulista, onde eram acolhidos depois de chegarem ao país pelo Porto de Santos. A associação de sentidos reaviva a memória afetiva de alguns e suscita a curiosidade de comensais em geral, que apreciam as delicadas massas do chef Mario Rosso — proprietário e ele próprio descendente de uma família de italianos —, envoltos em uma atmosfera que lhes atiça o apetite. “As vivências gastronômicas são ligadas ao ambiente, capaz de proporcionar conforto e aconchego”, diz Rosso.
O que o chef descreve intuitivamente ganha eco em descobertas científicas bem consolidadas. Hoje, há consenso de que as vias neurais onde são processados os sentidos estabelecem pontes entre si, estimulando-se mutuamente. Quando se degusta um belo prato em um recinto que provoca agradáveis sensações aos olhos, a tendência é que o cérebro registre uma positiva efervescência. Essa ideia vem conquistando prestigiados estabelecimentos mundo afora e ganha fermento no Brasil. No recém-inaugurado Sky Hall Garden, em São Paulo, a decoração minimalista dá uma identidade industrial ao espaço, com concreto aparente de sobra. Pois o que poderia transmitir impessoalidade vira um aconchegante recanto graças aos jardins — com uma árvore no meio — de onde o chef Martin Casilli retira plantas variadas para suas receitas. “Comemos com os olhos”, acredita Casilli. “Depois vem o paladar.”
Nesta era em que as pessoas estão à caça de experiências únicas, produzir uma alquimia de sabores é só a entrada de um menu que envolve um programa completo. No japonês Murakami, onde predominam as linhas retas para inspirar sensação de pureza, a cozinha se exibe aos clientes. “A ideia é que o lugar seja íntimo para que as pessoas tenham a emoção de acompanhar o preparo dos pratos”, explica Edilson Fujisawa, autor do projeto. No italiano Vicolo Nostro, a intenção é fazer o agito paulistano ficar para trás por duas, três horas, ao servir os pratos sob o comando de Cristiano Panizza em um salão ornado de lindas tapeçarias e um jardim de hortênsias. Objetivo: fazer lembrar a espetacular Toscana. Nada mau.
Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794