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Franceses descobrem modo de cultivo da trufa branca exclusiva da Itália

A iguaria chega a custar mais de 23 000 reais o quilo

Por J.A. Dias Lopes
Atualizado em 4 jun 2024, 13h28 - Publicado em 26 fev 2021, 06h00
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  • Se os franceses algum dia invejaram os vizinhos italianos por colherem anualmente no seu solo o perfumado tartufo bianco (trufa branca), que esqueçam o imenso desgosto. Aliás, teriam cobiçado uma preciosidade gastronômica tão valorizada quanto o caviar do Mar Cáspio. Agora, porém, acabou o privilégio. A França anunciou ter desvendado o mistério do cultivo, ocultado pela natureza, do mais exclusivo cogumelo subterrâneo do planeta, que nasce espontaneamente nas regiões italianas do Piemonte, Toscana, Úmbria, Emília-Romagna, Lombardia e Marche.

    O Institut National de la Recherche Agronomique anunciou, em Paris, que seus pesquisadores conseguiram plantar e colher pela primeira vez no mundo um tartufo bianco igual ao nativo italiano. O gol agronômico foi marcado no sudoeste da França, na região da Nova-Aquitânia, cuja capital é Bordeaux. Já tinham sido realizados esforços para cultivar a iguaria, inclusive na Itália, mas não se conseguia desvendar completamente seu processo de desenvolvimento. Apesar da frustração, os trabalhos eram reestimulados pelo preço da preciosidade. Na última colheita (prefere-se dizer caçada), ocorrida como de hábito entre fim de outubro e início de janeiro, o preço do “diamante da culinária italiana” era de 3 500 euros o quilo (cerca de 23 400 reais).

    Saboreia-se a delícia, pela qual os gastrônomos ficam de joelhos, em lâminas finas cortadas na hora, sobre ovo frito, massas de fios, algum risoto e pratos de carnes tipo carpaccio e steak tartare. O preço não inibe o consumo. Em São Paulo, esgotaram-se em dias os 50 quilos da iguaria importados em 2020 pelo restaurante Fasano, que vendeu a 790 reais cada prato de tagliolini al burro (massa de fios finos, na manteiga), com 20 gramas de tartufo bianco, o padrão internacional.

    Os restaurantes de São Paulo são, no Brasil, os que mais oferecem o Tuber magnatum Pico, nome científico do cogumelo subterrâneo. Encomendam da Itália de 250 a 300 quilos por temporada. Há também o tartufo nero ou trufa negra (Tuber melanosporum) e o de verão (Tuber aestivum), encontrados igualmente na Itália, França e na Espanha. Entretanto, liberam aroma e sabor menos intensos e custam um terço do preço. Ainda vai demorar para o Tuber magnatum Pico dos franceses concorrer com o italiano. A colheita em Nova-Aquitânia se limitou a três cogumelos em 2019 e a quatro em 2020. Mas a simples descoberta da técnica de plantio constitui avanço notável. “O resultado anunciado pelos franceses é interessantíssimo, pois o cultivo do tartufo bianco não passava de ideia romântica”, disse o italiano Mauro Carbone, diretor do Centro Nazionale Studi Tartufo, na cidade piemontesa de Alba, santuário do cogumelo subterrâneo.

    Em simbiose com plantas superiores, para as quais cede água e sais minerais absorvidos do terreno, o tartufo bianco ocorre no solo a uma profundidade de 5 a 60 centímetros. Recebe em troca carboidratos já elaborados, das raízes de árvores como carvalho, castanheira, álamo, salgueiro, tília e pinheiro mediterrâneo. Seu tamanho vai de uma noz a uma laranja — a cor oscila do branco com veias rosadas ao cinzento-amarronzado. Em geral, o peso fica entre 250 a 500 gramas, raramente um quilo. Na década de 50, os italianos alegraram o presidente americano Harry Truman com um Tuber magnatum de 2,5 quilos. Dura pouco e deve ser consumido em até três dias depois de caçado, pois escurece e amolece rapidamente. Perde cerca de 2% do peso por dia e o perfume desaparece com a mesma velocidade. É possível prolongar sua vida útil por uma semana envolvendo-o em guardanapo de papel, colocando-o dentro de recipiente tampado e mantendo-o na geladeira.

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    Por razões óbvias (o preço no mercado), encontrar tal iguaria é um negócio de alto valor na Itália. Caça-se o cogumelo subterrâneo com o auxílio de um cachorro, que acompanha o tartufaio ou trifulau, nome dado na Itália ao caçador. O animal o identifica pelo perfume e recebe um pouco de ração como prêmio. Antigamente, usava-se o porco, com um inconveniente: confundia o cheiro do tartufo bianco com o do hormônio liberado pela espécie no período do acasalamento. Tinha o ímpeto de devorá-lo. Hoje, usa-se um cachorro de raça, o lagotto romagnolo, originário do Império Romano. Mas o tartufaio conservador prefere o bastardino (bastardinho), o vira-latas, adestrado desde os seis meses de idade. Devidamente treinado, capaz de identificar onde estão enterrados esses tesouros, um cachorro desses vale cerca de 30 000 euros (em torno de 200 000 reais).

    O tartufaio explora um território secreto e só na hora da morte revela os pontos nos quais encontra seu tesouro. Reza a lenda que o cogumelo subterrâneo nasce sempre no mesmo local, dia e hora. Por isso, a caça acontece quase sempre de madrugada, para driblar espiões. É zelo compreensível. Basta saborear um Tuber magnatum Pico uma vez para jamais esquecer. Segundo apreciadores, o tartufo bianco transmite uma sensação de plenitude gastronômica só equiparada ao amor. A comparação talvez seja exagerada, mas abona uma paixão à mesa, agora transformada em guerra.

    Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727

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