MOSCOU – Nos últimos meses de junho e julho, quando não havia jogo da Copa do Mundo em Moscou, havia a impressão que os turistas se dividiam em três grupos para lotar a Praça Vermelha e dois restaurantes: o “tradicional” Café Pushkin e o modernoso White Rabbit. No café, aberto 24 horas, os pratos que chegavam às mesas dos salões de iluminação econômica e decoração um tanto antiquada para dar sensação de “antigo” (inaugurou em 1999) eram na imensa maioria da culinária de raiz – e popular – russa, como estrogonofe, frango à Kiev, sopa borsh, o pelmeni, um tipo de capeleti – podem ser degustados juntamente em um prato com divisões, bem sem graça, por cerca de 120 reais. Um porteiro mal humorado no Café diz sempre não ser possível nem entrar sem reserva, mas era impossível marcar uma mesa por telefone. A solução: aparecer à porta do local lotado de turistas. muitos vestidos com roupas em alusão a seus países, como enormes chapéus de abas gigantes ou capacetes com chifres.
A busca frenética por uma reserva é quase regra no White Rabbit, restaurante classificado como o 15º melhor do mundo – e único da Rússia – em lista divulgada em junho pela revista britânica The Restaurants. Estrela do fogão e da série da Netflix Chef’s Table, o chef Vladimir Mukhin, de 35 anos, apresenta pequenas obras-primas da culinária russa mais tradicional e antiga, estudada em centenas de horas em bibliotecas e reeditadas em viagens a pequenos vilarejos pelo país. E o que aparece no cardápio é surpreendente – e caro. Mas vale muito a pena.
Para conhecer o que Mukhin recria das receitas antigas, o único horário disponível foi meio-dia. Menos mal que o dia estava claro, algumas vezes ensolarado, e com visão perfeita da cidade, do 16º andar de um prédio moderno no centro financeiro, o Smolenskiy Passage. Até a decoração de veludos e camurças coloridas que remete à obra Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll – daí o nome White Rabbit –, fica em segundo plano diante do visual da metrópole pelas paredes de vidro – e da expectativa do que vai chegar à mesa.
Quinta geração de “cozinheiros”, Mukhin trabalhou no restaurante do pai, em Yessentuki, no extremo sul da Rússia, quase vizinho da Geórgia, passou por restaurantes da Espanha e da França. E focou seu trabalho em transformar as receitas tipicamente russas de todo o país em pratos com visual “elegante, mais bonitos”, e com harmonizações inusitadas, sempre com ingredientes do país – uma prerrogativa de sua cozinha.
Nada melhor que se aventurar pelo menu degustação, com 13 pratos, de entradas a sobremesas, ao preço de 10.000 rublos por pessoa (cerca de 615 reais), sem bebidas. E começa o desfile de iguarias acompanhadas de descrições, às vezes bem detalhadas, de cada prato.
Depois da primeira entrada, apricot com creme de queijo azedo e farofa de bacon, o início da degustação em grande estilo: caviar negro defumado ao leite de amêndoas jovens russas – e as próprias em pedaços. Uma pequena viagem a sabores intensos porém equilibrados, marcados pela delicadeza das ovas de esturjão beluga e pelas amêndoas crocantes.
As duas provas seguintes, outro show de sabores: fígado de ganso com espuma de ruibarbo, para comer com cuidado, pois é delicadamente maçaricado à mesa e pode esquentar os talheres, e deve ser comido com colher, “pegando de baixo para cima” para sentir todos os sabores, explica com cuidado o maitre Alex Sizov. Em seguida, vieiras fresquíssimas, com verduras batidas e espuma de lavanda, eucalipto e iogurte, misturadas a vôngoles recém-pescados, antecederam a chegada de mais uma surpresa: uni de ouriços russos, pequenos, de cor bem alaranjada – servido em um pote que lembra o ouriço do mar em rara combinação com sorbet de espinheiro-marítimo e água do mar. Segue uma sopa shchi, referência à receita de soldados do exército russo durante a campanha francesa: sopa de repolho, com tomate verdes, folhas de uvas, botões de tília, caldo concentrado de carne de porco – deliciosa. Outro prato com repolho russo: assado na brasa e com creme de três caviares caviar – o repolho sai direto da churrasqueira a lenha da cozinha, é “descascado” à mesa e recebe os molhos da sovas de peixe, entre eles do esturjão do Mar Negro. É uma delicada combinação de sabores antagônicos, suavemente adocidado e ao mesmo tempo salgado.
Raízes
Ainda do mar, seguiu caranguejo da região de Kamchakta – extremo leste do país, região destacada na pesca – temperado ao perfume de limão, bem delicado, contrastando bem – novamente – o tom adocicado da carne com a acidez e o sabor do sal marinho. O prato seguinte, outra surpresa: bacalhau fresco, ao molho de groselhas e lagostim com ervas. Para preparar o paladar e dar um toque adstringente, um sorbet de groselhas verdes ao vinho de mel antes da carne malpassada com emulsão de creme azedo e morangos silvestres – bom equilíbrio para quem gosta do ponto da carne que veio ao prato, bem escoltada com o vinho russo, rico em taninos, Vedernikov Winery, das castas Krasnostop Zolotovskiy, da região de Rostov-on-Don, onde o Brasil fez sua estreia na Copa, contra a Suíça.
Talvez pela opulência dos pratos anteriores, as sobremesas foram menos brilhantes. O erofeyich – avelãs assadas com polugar (um “vinho de pão”, bebida de alto teor alcoólico que lembra a vodca) – estava bom, mas deu impressão de faltar algum vigor na combinação. O pão preto com creme azedo e água marinha realmente é para paladares abertos a aventuras e a trufa de chocolate russo também soou um pouco “comum”. Mas nada que comprometesse o todo ou apenas nos itens finais. Afinal, depois de dez pratos poucos chegam às sobremesas com a mesma avidez inicial.
Serviço
Endereço: 3 Smolenskaya Square, 16° andar. Telefones: +7 (495) 510-510-1 e +7 (495) 782-62-62
Horário: segunda, terça, quarta e domingo, das 12h à meia-noite; quinta, sexta e sábado, das 12h às 2h
Preços: pratos a partir de 70 reais. Uma refeição para duas pessoas sai em média por cerca de 450 reais com entrada, prato e sobremesa (sem bebida). Vinhos a partir de 250 reais. Menu degustação em 13 etapas: 615 reais.