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Augusto Nunes

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Renato Opice Blum, advogado especializado em direito digital: ‘O conceito de privacidade está mudando. Talvez esteja acabando’

Fernanda Nascimento Há 14 anos, o advogado Renato Opice Blum, especializado em direito eletrônico e digital, defende vítimas de crimes que tenham por cenário a telinha de um computador. Ele informa que, ao contrário do que sugerem trunfos aparentes como o anonimato, nenhum envolvido em delitos na rede deve acreditar na impunidade. “É importante saber […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 10h16 - Publicado em 4 nov 2011, 19h21
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    Fernanda Nascimento

    Há 14 anos, o advogado Renato Opice Blum, especializado em direito eletrônico e digital, defende vítimas de crimes que tenham por cenário a telinha de um computador. Ele informa que, ao contrário do que sugerem trunfos aparentes como o anonimato, nenhum envolvido em delitos na rede deve acreditar na impunidade. “É importante saber que existe legislação e que as pessoas são responsabilizadas por suas atitudes na internet”, avisa. Coordenador do curso de direito digital da Fundação Getúlio Vargas, Opice Blum recebe a cada dia, em média, a visita de cinco clientes potenciais ─ vítimas de fraude, estelionato, ofensas e distintas formas de invasão de privacidade. E acha que esse universo tente a crescer verticalmente. Veja os principais trechos da entrevista:

    A sensação de que a internet é uma terra sem lei confere com a realidade?

    A sensação é real, mas não é verdadeira. Temos a percepção de que podemos fazer tudo na rede, mas existem as limitações normais da legislação e da jurisprudência.

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    Já existe uma legislação específica para a internet?

    Aplicamos a legislação em vigor. Em poucas áreas, como a pornografia infantil, temos uma legislação que, além de específica, é muito boa.  Mas o que temos de melhor é o numero de decisões judiciais aqui no Brasil. Chega a 50 mil, índice que supera até o registrado em países europeus.

    Faltam leis?

    Temos 95% de cobertura. Se alguém invade o seu computador, por exemplo, qual crime pratica? Nenhum. Isso é um absurdo. A criação e disseminação de um vírus também não é crime, apesar do enorme potencial lesivo. Da parcela coberta por lei, apenas 60 ou 70% estão à altura do potencial da internet. O vazamento de informações sigilosas é um bom exemplo do que precisa melhorar na legislação. Vamos supor que um sujeito obtém uma fórmula secreta e a distribui por email entre centenas de pessoas. A pena máxima é de um ano. Na prática, isso significa pagar o valor de uma cesta básica. A pena é desproporcional ao prejuízo causado e pode acabar até estimulando a prática do crime.

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    A legislação brasileira está muito atrasada em relação a outros países?

    Temos mais lacunas, mas a jurisprudência civil está muito avançada. Ocorreu no Brasil a primeira decisão judicial contra o Twitter, para a obtenção de dados de um usuário que praticou um ato ilícito. Nosso país também é o que mais notifica e processa o Google.

    O que é necessário para cobrir essas lacunas na legislação? É mais eficaz elaborar projetos de lei específicos ou tentar projetos mais abrangentes como o Marco Civil ou a Lei Azeredo?

    Aprovar projetos de lei específicos para cada conduta é mais eficaz, como ocorreu com a pornografia infantil. Tecnicamente, seria perfeito resolver tudo de uma vez com grandes projetos. Mas, politicamente, é muito complicado. Temos pedacinhos de lei que foram aprovados e resolveram questões importantes. Foram tipificados dessa forma o uso da certificação digital, a pornografia infantil e o peculato eletrônico. Por exemplo, se um funcionário público altera um dado do sistema para privilegiar alguém, pode pegar até 12 anos de prisão. Essa decisão teve origem naquele caso do painel do Senado. São projetos de lei esparsos, mas que funcionam.

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    Quais são os casos mais frequentes?

    O mais sensível é a ofensa, o crime contra a honra – calúnia, injúria ou difamação. Na internet, recorre-se muito ao anonimato. É necessário deixar claro que nossa Constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato. Os juízes podem decretar as chamadas quebras de sigilo, obrigando os provedores a identificar seu usuário quando há alguma prática ilícita.

    O que mudou nos últimos dez anos?

    A questão da privacidade ganhou mais destaque. As redes sociais surgiram com muita força e a sociedade não estava preparada para isso.

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    Quem usa a internet está muito vulnerável?

    Está, mas poderia não estar. Ninguém lê com atenção os termos de uso, por exemplo. O problema é usar os serviços sem saber exatamente quais são os recursos disponíveis. Hoje um dos pontos que tratamos com mais frequência são as informações divulgadas voluntariamente pelos usuários, que criam perfis gigantescos no Facebook ou no Orkut, contam onde estão o tempo todo ou dão acesso a quem não é amigo.

    Como preservar a privacidade?

    É possível diminuir os riscos. Mas sempre digo que o conceito de privacidade ao qual nos habituanos está mudando. Talvez esteja até acabando. Mais cedo ou mais tarde os dados vão escapar ao nosso controle. Só não sabemos quando ou como isso vai ocorrer. Todos serão monitorados, os que fazem a coisa errada e os que agem corretamente. Quem não estiver fazendo nada de errado não precisa preocupar-se com isso. Qual é o problema? “Ah, mas é minha privacidade, eu tenho o direito de não ser identificado”, diz muita gente. Daqui para a frente, não será possível conseguir isso usando apenas a lei.

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    A sensação de impunidade é maior entre os jovens?

    Por ser muito interativo, o jovem ainda tem a sensação de que a internet é brincadeira. Também é importante introduzir a educação digital no ensino médio e fundamental. É uma das  formas de diminuir o aumento dos crimes na internet. É na escola que começa o cyberbullying. Antes da internet, o bullying isso ficava contido na sala de aula, no território da escola. Hoje, se um adolescente grava uma imagem íntima e passa para os colegas, a vítima tem de mudar de cidade. A humilhação e o constrangimento são muito intensos. A educação não vai impedir que isso aconteça, mas reduz a dimensão do problema. Todos precisam ter consciência de que existe legislação e que as pessoas são responsabilizadas pelo que fazem na internet.

    Como impedir que as provas sejam apagadas a qualquer momento?

    Tenho algumas sugestões simples. Por exemplo: chamar duas ou três pessoas para presenciar o que ocorreu. É a chamada prova testemunhal. Outra providência aconselhável é imprimir o texto, ou usar o print screen, aquele comando no teclado que produz uma fotografia da tela. Para que se tenha a prova ideal, no entanto, é necessário ir a um cartório de notas e pedir ao tabelião que faça um documento chamado ata notarial. O tabelião, com a sua fé publica, estará confirmando que, em determinado dia e hora, viu a prova do crime.

    As delegacias especializadas são eficientes?

    Essas delegacias conhecem melhor esse universo, mas o volume de reclamações é muito grande e não há pessoal suficiente. Defendo uma especialização das polícias, do Ministério Público e do Judiciário. O direito digital precisa ser tratado como um caso à parte, porque avança cada vez com maior rapidez e é irreversível. Atualmente, chegam ao escritório cinco ou seis casos novos por dia.

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