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AL VINO

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As novidades, tendências e delícias do mundo do vinho sem um gole de “enochatismo”. Marianne Piemonte é jornalista, sommelière e empresária do mercado de vinhos.
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Já provou um Sauvignon Blanc envelhecido em barril de Jequitibá Rosa?

As madeiras brasileiras bastante usadas pela cachaçaria nacional começam a ingressar no mundo do vinho pelas mãos de um francês

Por Marianne Piemonte
Atualizado em 9 Maio 2024, 11h18 - Publicado em 16 mar 2024, 10h22

“Não quero fazer o melhor vinho do Brasil, quero fazer o melhor brasileiro que não siga o padrão dos franceses, portugueses ou italianos, como boa parte do que se faz por aqui.” É assim que o enólogo Gaspar Desurmont, um francês do Vale do Loire, descreve o objetivo do trabalho que faz em sua vinícola, a Vinhetica (vinho com ética), que produz varietais (feitos com
uma única variedade de uva) em três terroirs do sul do país.

Depois de passar um tempo na Índia, onde pretendia vinificar, ele desembarcou no Brasil, especificamente em Petrolina, em Pernambuco, para conhecer a cultura de uvas em clima tropical. Ali, encantou-se com o potencial do país. Com apoio da Embrapa, fez visitas a diferentes estados até instalar-se em Santana do Livramento, na divisa do Brasil com o Uruguai. Ele começou a empreitada comprando uvas de pequenos produtores, enquanto procurava sua chácara. Hoje, em seus 82 hectares, planta 14 variedades de uvas, entre elas espécies da Assyrtiko (Grécia), Saperavi (Georgia), Nebbiolo (Italia), além das internacionais Pinot Noir, Syrah e Petit Verdot.

A primeira safra ficou pronta em 2014 e, desde então, começou um surpreendente trabalho com madeiras brasileiras, que são bastante usadas pelas cachaçarias nacionais, mas ignoradas pelo mundo vínico. “O carvalho francês não é o limite da madeira do mundo”, afirma Desurmont, que faz experiências com 12 tipos de madeiras brasileiras. Todas certificadas, importante
registrar. “Se fosse para fazer vinho com levedura francesa, uva francesa e carvalho francês, eu ficaria na França”, justifica.

TERROIR NACIONAL

Seus produtos usam leveduras indígenas (microorganismos presentes naturalmente nas uvas, vinhedos e adegas), madeira brasileira e mínima intervenção, o que significa não utilização de produtos enológicos, que podem corrigir problemas ou acentuar estilos de vinificação. “Um bom vinho tinto é 70% qualidade da uva. Quero o melhor que a fruta pode me dar de maneira mais honesta e sustentável”, conta. A madeira, segundo Desurmont, é uma grande aliada: serve para “levantar” o vinho e, em alguns casos, ressaltar as melhores características das uvas. O viticultor e enólogo afirma que, enquanto Chile e Argentinas têm solos desérticos, o Brasil tem tudo o que define terroir (sol, solo, água, clima) em diferentes localidades do território nacional. Portanto, a escolha da madeira foi fundamental para criação de um vinho com caráter único, brasileiro.

vinho
A produção em Santana do Livramente (divulgação/VEJA)
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As experiências de Gaspar ainda causam muita curiosidade, a exemplo do que ocorreu em 2016, quando ele fez a primeira encomenda de tonel de 225 litros de Grápia, bastante usada na marcenaria da região. Na ocasião, os proprietários da Tanoaria Mesacaza, de Monte Belo do Sul (RS), ficaram espantados: há 20 anos ninguém usava esse material para vinificar. Os imigrantes italianos da região eram quem costumavam fazer esse tipo de encomenda, mas essa tradição havia se perdido até a chegada do francês.

A partir dali os testes não se findaram e continuam. O Jequitibá Rosa mostrou-se primoroso para vinificação. “No Sauvignon Blanc, por exemplo, ele traz um peso final de boca e um leve amargor que aumenta acidez”, conta. Já a Castanha do Pará traz uma nota de mel bastante forte para os brancos. Enquanto isso, a Putumuju Arariba evidencia ainda mais as notas de frutas vermelhas de alguns tintos e o Eucalipto é ideal para amansar os taninos da Tannat. O trabalho demanda paciência. A Cabreúva, por exemplo, só fica melhor depois do terceiro uso do barril.

O respeito às árvores, às uvas, ao solo e aos pequenos viticultores ao redor certamente dão o tom de seu trabalho. E o resultado é belíssimo. Entre os que essa colunista degustou, o Pinot Noir é vibrante e seco com persistência espantosa, o que nos dá impressão de mais corpo. E o Sauvignon Blanc, que estagia em Jequitibá Rosa e Grápia, tem uma cor muito delicada,
extremamente leve com toques de abacaxi, funcho e um leve amanteigado. Os preços têm uma boa relação custo-benefício: encontram-se na faixa de 130 reais.  As medalhas e pontuações também já coroam algumas safras. Além disso, seu trabalho passou a ganhar repercussão nas televisões francesas e a receber selos de qualidade ambientais. Gaspar é o terceiro produtor de uvas no Brasil a conseguir a almejado (e difícil) certificação de orgânico para as variedades Syrah, Tannat e Petit Verdot.

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Inquieto, criou um segundo projeto, o Terroir da Vigia. Nesse caso, além de vinhos naturais, como o Fortão da Vigia (um corte de Tannat, Petir Verdot, Baga, Cabernet Franc e Sapevari de fermentação espontânea e estágio em madeiras brasileiras como Jequitibá Rosa, Cedrinho e Castanha de Portugal), produz queijo de ovelha e referencia produtos do Cerro da Vigia, na região de Santana do Livramento.

Parece pouco? Gaspar adianta o próximo passo: levar as madeiras brasileiras para produção de vinhos no sul da França, em Languedoc. Para que seus vinhos ganhem seus ganhem o mundo Gaspar tem um sócio o também francês, Jean Pierre Bernard, especialista em comércio exterior. Entre seus planos, está a abertura de uma loja em Paris só de vinhos brasileiros. Não há dúvidas que os europeus já entenderam o potencial do produto nacional. Falta agora acabarmos de vez com o preconceito que ainda afasta a boa parte dos brasileiros das taças made in Brazil.

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