Quem tem aversão ao calor da pimenta precisa considerar uma mudança de hábito. Quem põe umas gotinhas na comida está no caminho certo — e convém até aumentar a frequência do uso. É o que pressupõe o resultado de estudos feitos pelo Instituto de Cardiologia da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, o mais reputado do país, referendado pela Associação Americana do Coração. Os pesquisadores investigaram os impactos da pimenta no organismo por meio da análise dos exames de mais de 570 000 pacientes no mundo e concluíram algo que já aparecia em trabalhos anteriores: a capsaicina, elemento natural que torna a pimenta ardente, tem efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e reguladores da glicose no sangue, o que reduz o risco de infarto e outras doenças associadas ao coração — ainda hoje a maior causa de mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Em comparação com quem raramente ou nunca consome pimenta, aqueles que a ingerem com regularidade apresentam 26% de redução na mortalidade por doença cardiovascular, 23% de diminuição relativa por câncer e 25% de queda na mortalidade em geral. Ou seja, de agora em diante, evite criticar o amigo que aprecia a deliciosa ardência do sarapatel, do acarajé e do vatapá. O funcionamento da pimenta no organismo ainda não é inteiramente conhecido, mas existem indícios de aceleração do metabolismo, o que ajudaria, inclusive, no emagrecimento: “Ela transforma a gordura branca, sólida e difícil de eliminar, em gordura marrom, mais fácil de quebrar”, explica Vanderli Marchiori, nutricionista da Associação Paulista de Nutrição. Isso não quer dizer que o fruto garanta o emagrecimento por si só. Portanto, recomenda-se não substituir exercícios e uma dieta saudável por suplementos de pimenta em cápsula.
Como exatamente o Homo sapiens pegou gosto por esse remédio ardido é incerto, mas a melhor hipótese está na ligação intuitiva que a espécie humana tem com o fogo: tudo aquilo que queima ajudaria a matar o que é ruim. Além disso, as especiarias tendem a conservar os alimentos. Originária das Américas, a pimenta deu sabor aos pratos da Europa a partir do século XVI. A atratividade é historicamente tão grande que se tornou objeto de estudo do farmacêutico americano Wilbur Scoville, que estabeleceu, em 1912, uma escala para medir a ardência. Scoville misturava extrato de óleo de capsaicina com água e açúcar e então colocava na língua das pessoas. Diluía a solução até o voluntário não sentir queimação alguma. Assim, o farmacêutico criou uma unidade mínima para classificar cada tipo. A pimenta jalapeño, por exemplo, usada na culinária mexicana, tem 8 000 unidades. É forte? A malagueta pode chegar a 100 000 unidades.
O pimentão só tem esse nome porque é grande, já que, na escala, leva nota zero. A biquinho marca no máximo 1 000 unidades. A dedo-de-moça, usada em caipirinhas, fica entre 5 000 e 15 000. Tome cuidado se lhe oferecem in natura a Trinidad Scorpion, e fuja da pimenta mais forte do mundo, a Carolina Reaper, que, de acordo com o livro Guinness dos Recordes, atinge o impressionante número de 2 milhões de unidades na escala Scoville. Cultivada numa fazenda na Carolina do Sul, ela recebeu o nome Reaper (Ceifadora) porque, se ingerida sem preparo, provocará, além de dor excruciante, queimaduras na boca e na garganta. Para quem quer cuidar da saúde, uma pitada de molho mineiro, de no máximo 5 000 unidades, já é o suficiente. O coração agradece.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717