Há tempos os estudiosos tentam decifrar o que está por trás da deliciosa sensação que toma o corpo depois de alguns minutos de atividade física. Fazem isso não somente por curiosidade científica — o que já seria válido —, mas porque as informações podem servir para atrair mais gente aos treinos ou ser base para os tratamentos de doenças cujos sintomas sejam atenuados a partir do conhecimento apurado.
O mais recente achado nesse campo de investigação adiciona uma peça capital ao arcabouço de dados levantados até agora. A partir de investigações recentes, ficou constatado que a dopamina, um dos hormônios que fazem a comunicação entre os neurônios, é mais relevante do que se imaginava na cascata bioquímica desencadeada pelos exercícios. Ela desempenha funções estratégicas que aumentam o prazer e a alegria pós-treino, gerando o famoso barato do exercício, e contribuem para atrasar a progressão do Parkinson, enfermidade cuja origem está exatamente na escassez do hormônio.
Toda a atividade cerebral é mediada por hormônios que levam a informação de uma célula nervosa à outra. Por isso, são chamados de neurotransmissores. A produção de cada um deles é acionada por diversos gatilhos, disparados de acordo com as funções das áreas nas quais atuam. A serotonina, por exemplo, está envolvida no processamento de emoções. Quando há desequilíbrio na sua concentração, uma das consequências pode ser a depressão. A dopamina atua em três campos. O primeiro é o que controla os movimentos motores. Dar um passo, levar o lápis ao ponto certo da página ou o garfo à boca são ações que necessitam dela para ser executadas. Ela também é a principal substância a intermediar as conversas entre as células nervosas que integram o sistema de recompensa, no qual são processadas as sensações de felicidade e satisfação quando recebemos algo que nos agrade. Além disso, está presente nos mecanismos que permitem a identificação dos sentimentos alheios, habilidade vital para a convivência social. “Qualquer desequilíbrio de dopamina prejudica essa capacidade”, explica Bianca Schuster, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. O problema é que o hormônio está sujeito a sofrer alterações ou por doenças, como o Parkinson — nesse caso, há morte dos neurônios que o produzem —, ou como consequência do envelhecimento. A cada década da idade adulta, o cérebro sofre redução de 13% dos receptores (as portas de entrada das células) de dopamina. O fenômeno ocasiona a perda da alegria em realizar atividades antes prazerosas, prejudica a socialização e impede a correta realização dos movimentos mesmo que o indivíduo não tenha Parkinson.
O antídoto aos danos pode ser encontrado nos remédios que tentam reequilibrar a disponibilidade de dopamina ou, como se está descobrindo, é achado na realização de exercícios físicos rotineiramente. A prática tem efeito surpreendente. Na semana passada, um estudo da NYU Grossman School of Medicine, dos Estados Unidos, revelou que os treinos elevam substancialmente a produção de uma proteína responsável pela manutenção e estímulo da produção de determinados neurônios, entre eles os fabricantes de dopamina. O trabalho foi feito em cobaias, que durante trinta dias se exercitaram em esteiras. A concentração da proteína subiu 60% e a do hormônio da felicidade, como a dopamina é chamada, 40%. “A liberação continuou durante uma semana, o que explica os benefícios prolongados para o humor e a coordenação motora”, disse a VEJA Margaret Rice, autora principal da pesquisa. O barato do exercício é duradouro e protetor. Vale a pena começar ou manter os treinos em dia. Pode até viciar.
Publicado em VEJA de 8 de junho de 2022, edição nº 2792