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Um jeito de viver para além das cotas

Carolina Ignarra, finalista do Prêmio VEJA-se na categoria Diversidade, fundou empresa que já ajudou 5 000 brasileiros com deficiência a encontrar emprego

Por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h46 - Publicado em 22 jun 2018, 06h00
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  • Em 2001, aos 22 anos, a paulistana Carolina Ignarra, então recém-formada em educação física, sofreu um acidente que mudaria para sempre sua percepção de vida e de carreira. Ela trabalhava com ginástica laboral em empresas e, em paralelo, dava aula de natação. Certo dia, voltando de moto de uma festa, colidiu com um carro. Quatro dias depois, acordou em uma cama de hospital sem o movimento das pernas. Sua primeira reação foi de desespero. “Pensei que ficaria encostada para sempre recebendo algum auxílio do governo e fazendo tricô, que eu não poderia mais trabalhar”, diz Carolina. Uma das três finalistas do Prêmio VEJA-se na categoria Diversidade, Carolina se surpreendeu quando, apenas três meses depois, a empresa em que atuava a chamou de volta ao trabalho, inicialmente para programar os exercícios laborais que seriam executados por outros professores. Em pouco tempo, ela já estava de volta aos escritórios, em cadeira de rodas, comandando diretamente as sessões de ginástica.

    Sua carreira tomou outro rumo por causa da Lei de Cotas para Deficientes, que reserva vagas em empresas a portadores de necessidades especiais. Sancionada em 1991, a lei pegou mesmo treze anos depois, em 2004. Nessa época, Carolina, que sempre causava excelente impressão no contato com os funcionários de inúmeras empresas, começou a receber propostas de emprego, muitas vezes para funções totalmente dissociadas de seu perfil e de sua especialidade, com o objetivo de preenchimento da cota. “Eu ficava ofendida e não aceitava. Cheguei a formar uma ideia errada sobre a Lei de Cotas. Só sabia que eu não queria pegar um emprego por um critério que nada tinha a ver com a minha profissão”, diz Carolina.

    Como as sondagens se tornaram mais frequentes, ela considerou a possibilidade de montar um treinamento que, em paralelo à ginástica, mostrasse como as empresas poderiam ter ambientes melhores para os funcionários com deficiência. Era uma “palestrinha” que virou uma palestra, depois workshop, e então se tornou um produto de consultoria empresarial contínua. Foi aí que Carolina descobriu o que era “vender picolé na praia”: “Entendi uma coisa que hoje para mim é simples. A Lei de Cotas obriga as empresas a contratar, mas não ensina a ninguém como fazer isso”. A bancária Juliana Ramalho, amiga de Carolina desde a adolescência, abraçou a ideia e fez o investimento inicial. Assim nasceu, em 2008, a Talento Incluir, empresa de recursos humanos que, nos últimos dez anos, já integrou 5 000 pessoas com deficiência ao mercado de trabalho no país.

    O último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou que 24% da população, ou cerca de 45 milhões de pessoas, tem algum grau de deficiência física. Para a inclusão nas cotas, o número cai de acordo com critérios específicos, uma vez que o benefício é reservado àqueles com índices mais elevados de impedimento. O desafio que Carolina tinha pela frente era fornecer a clientes cada vez maiores que chegavam — grandes bancos, telefônicas, entre outros — profissionais que as organizações valorizassem muito além do simples cumprimento de uma norma. “É a lei que muitas vezes faz a empresa se mexer e nos procurar. Nós entramos para inverter isso, dialogando sobre as vantagens de times mais diversos e sobre o poder de transformação na vida de pessoas com deficiência. A partir daí, cumprir a lei torna-se uma consequência”, explica Carolina.

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    A consultoria prestada pela Talento Incluir tem em torno de vinte ações, prontas para ser executadas. O cerne, porém, consiste em identificar postos que possam ser adaptados a pessoas com deficiência e, depois, intermediar a relação entre candidatos e empregadores. O pioneirismo no setor acabou transformando Carolina em referência para outras pessoas que necessitam de uma cadeira de rodas para se locomover. Depois de superar o risco que a deficiência poderia representar para um dos seus grandes sonhos, o de ser mãe, ela escreveu, com Flávia Cintra e Tatiana Rolim, o livro Maria de Rodas — Delícias e Desafios na Maternidade de Mulheres Cadeirantes (Scortecci Editora, 2012). Carolina é casada com um ex-colega da academia de natação e tem uma filha, Clara, de 12 anos. Antes, publicou também Inclusão — Conceitos, Histórias e Talentos das Pessoas com Deficiência (Editora Qualitymark, 2010), escrito a quatro mãos com Tabata Contri. O livro compartilha histórias de sucesso no mercado de trabalho e tenta difundir um modelo empresarial focado no desenvolvimento de competências para as pessoas com deficiência.

    Carolina considera que está em uma cruzada contra o “paternalismo” que envolve a causa dos deficientes. São seus lemas apenas fazer uso dos benefícios especiais concedidos a uma pessoa com deficiência quando ela realmente precisar deles (“Por que alguém deve pegar um cartão de transporte gratuito se tem um emprego bem pago?”, questiona Carolina) e adotar uma atitude positiva perante a vida e a deficiência. “No momento em que um pai pede ao filho que não olhe nem comente ao ver um cadeirante, o que acontece? Prevalece a ideia de que não se pode falar sobre deficiência. Tratar a deficiência como um constrangimento retira a liberdade que o outro tem de conversar e entender. Se restrinjo o direito a conversar, fica difícil acreditar que conseguirei ser respeitada”, diz Carolina. Ela conclui: “As pessoas com deficiência devem ser protagonistas sempre. Meu trabalho me dá sentido para viver minha própria deficiência”.

    Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588

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