Há muitas, muitas projeções sobre como será a escola daqui a dez, vinte anos. Em meio a tantos e diversos cenários, uma coisa é certa: a sala de aula de hoje — que, espantosamente, ainda exibe algumas marcas que ganhou no século XIX, quando se apoiava na ideia de quanto mais conteúdo, melhor — desaparecerá. O modelo enciclopédico de currículo, que servia tão bem a alunos que viviam os desdobramentos da era industrial, não combina mais com o atual mundo digital, de informações ao alcance de um clique, mudanças aceleradas e saudáveis incertezas, capazes de estimular um espírito mais propriamente científico.
Se no passado as instituições de ensino se prestavam a transmitir o conhecimento enfeixado nos livros, no futuro elas precisarão cada vez mais preparar crianças e jovens capazes de lidar com o imprevisível, juntar peças à base de lógica e formular ideias a fim de conseguirem enfrentar um mercado totalmente transformado. Assim, o que se vislumbra para a escola do século XXI é uma reforma radical e necessária para que ela se mantenha útil, relevante — e viva. Não por acaso, países que ocupam a vanguarda da educação já começam a lançar as bases de um modelo de aprendizado que fala de perto às novas e conectadas gerações.
A escola que está surgindo não se aprisiona em matérias estanques, sem elo entre si; faz, isto sim, uma costura multidisciplinar. Calma, não se trata de nenhuma invencionice pedagógica que vá extinguir do currículo a matemática, a história ou a filosofia. As várias ciências e saberes serão cada vez mais aplicados na sala de aula para solucionar questões que demandam uma visão integrada dos problemas. A Finlândia, o primeiro país a tornar menos rígidas as fronteiras entre as disciplinas, funciona como um laboratório em que outras nações podem se espelhar — e isso já está acontecendo. “Para haver uma escola verdadeiramente em conexão com este século, não dá para fazer remendo no modelo do passado. É preciso encarar a mudança para valer”, enfatiza a educadora finlandesa Marjo Kyllonen, que encabeçou na capital Helsinque uma revolução no ensino. Evidentemente, conectar áreas tão distintas é tarefa sofisticada, que requer uma extraordinária mudança na congelada rotina escolar — e ela começa na sala dos professores.
Para o êxito da escola dos novos tempos, é fundamental também que ela consiga extrair da tecnologia aquilo em que tal recurso, naturalmente incontornável, se mostrou mais eficaz: a possibilidade de individualizar o ensino, a ponto de oferecer ao professor ferramentas para que acompanhe o aluno em tempo real enquanto ele faz o seu exercício em frente a um laptop, um tablet ou o que quer que venha por aí. A inteligência digital possibilita que cada estudante siga a lição em ritmo próprio e vá sendo monitorado quando tropeça em algum ponto, de maneira que a dúvida não vire um nó daqueles difíceis de desatar. Há ainda outro aspecto que faz da tecnologia um ingrediente essencial para uma escola do futuro: ela possibilita que os alunos aprendam em rede, colaborando uns com os outros, num ambiente que conhecem bem, em razão do advento da internet.
A web, aliás, continuará sendo uma das grandes potencializadoras do avanço do processo educacional, ao se tornar, também ela, um tipo de sala de aula. O matemático americano Salman Khan, por exemplo, formado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), inventou em 2009 uma academia para oferecer algo entusiasmante na rede. Conseguiu amealhar milhões de alunos de todas as idades e nacionalidades com lições bem dadas, gratuitas, em que cada um aprende em seu ritmo. A experiência começou a fazer tremer um pilar sagrado da velha escola: o professor que, em frente à lousa, fica dando explicações maçantes — e provocando bocejos na audiência. Os estudantes da Khan Academy “assistem às aulas em casa ou em qualquer outro lugar e podem usar o tempo na escola para tirar dúvidas e debater. É uma atividade viva, em que eles se engajam”, explica o criador da plataforma.
A essa modalidade de ensino dá-se o nome de flipped classroom — sala invertida —, em que o professor tende a se tornar muito mais um mentor, que guia os alunos em sua investigação intelectual, do que um mero transmissor de conteúdo. Não, o mestre não desaparecerá. Ele continuará firme na escola do século XXI — e mais demandado do que nunca. Trata-se de uma figura imprescindível. Seu papel, no entanto, será muito distinto do atual. O palco de sua atuação também: não se resumirá às quatro paredes convencionais. O ensino irá a todas as partes — muito além dos muros da escola.
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2018, edição nº 2597