Entre as resoluções de Ano-Novo da Apple, a transparência com os consumidores subiu para o topo da lista em 2018. Depois de semanas de polêmica, a empresa confirmou ter alterado o sistema operacional para reduzir a velocidade de iPhones com baterias antigas — mas, numa explicação que caiu no vazio, disse que só fez isso para proteger os usuários, já que baterias velhas não dariam conta de atender à demanda nas horas de uso mais intenso. Obviamente, todo mundo entendeu que a Apple só fez o que fez para induzir o consumidor a trocar seu smartphone por um modelo mais novo. Em resumo, um escândalo que rendeu à companhia uma monumental cascata de críticas e reacendeu a polêmica sobre a obsolescência programada, quando as empresas programam um aparelho para morrer depois de certo tempo de uso.
Tudo começou em dezembro passado, quando donos de iPhones postaram no Reddit, um fórum de discussões on-line, que haviam notado uma lentidão estranha em seus aparelhos, mas perceberam também que a velocidade se normalizava com a troca da bateria. Alguns relataram que o smartphone se apagava de repente, mesmo quando a bateria ainda tinha entre 30% e 40% de carga restante. O problema afetou os modelos 6, 6 Plus, 6S, 6SPlus e SE depois da atualização do sistema operacional. Até a Apple reconhecer que reduzira a velocidade, muitos clientes livraram-se de seus aparelhos e compraram um modelo mais novo, sem saber que o problema era a bateria.
A revelação rendeu oito ações judiciais contra a Apple nos Estados Unidos, processos em Israel e na França. No Brasil, o Procon afirmou que vai notificar a empresa pela redução na velocidade dos smartphones. Como compensação, a Apple ofereceu um desconto aos interessados em substituir a bateria. Até o fim de 2018, o preço no Brasil será de 149 reais, cerca de um terço do valor cobrado anteriormente. O desconto vale para todos os aparelhos a partir do modelo 6. Em carta, a Apple pediu desculpas por ter decepcionado os consumidores e, insistindo em sua suposta inocência, disse que “nunca faríamos nada com a intenção de reduzir a vida útil de produtos ou piorar a experiência de clientes”.
Há muitos usuários que evitam atualizar o sistema operacional exatamente para não prejudicar o desempenho de seus iPhones. Mas essa pode ser uma estratégia arriscada. Aplicativos e o próprio aparelho podem ficar vulneráveis a ataques. No ano passado, o malware (do inglês malicious software, ou software malicioso) chamado WannaCry infectou computadores com o Windows porque os donos das máquinas não haviam instalado as versões mais modernas do sistema operacional. Mais de 230 000 usuários foram atingidos, inclusive órgãos públicos, hospitais e empresas privadas.
Apesar da crise, a Apple se mantém como a empresa mais valiosa do mundo e, a depender de seus resultados neste ano, poderá atingir o valor de 1 trilhão de dólares, marca inédita no mundo. Ela vale hoje ao redor de 870 bilhões de dólares. Em segundo lugar aparece a Alphabet, controladora do Google, com 730 bilhões de dólares. Para muitos analistas, contudo, a Amazon, a quarta mais valiosa, poderá ser a primeira a chegar ao trilhão de dólares. Em 2017, suas ações valorizaram-se 58%, transformando seu fundador, Jeff Bezos, no homem mais rico do mundo, com um patrimônio de 99 bilhões de dólares. Na disputa pelo topo, cada um recorre às armas de que dispõe — como dar um empurrãozinho para que os clientes troquem de aparelho mais cedo.
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2018, edição nº 2564