O Supremo Tribunal Federal retoma suas atividades nesta quinta-feira, 1º, com o julgamento de uma ação sobre a competência para demarcar terras indígenas. Reunido na tarde de hoje, o Plenário vai decidir se mantém uma liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso que, em junho, suspendeu o trecho de uma medida provisória do Planalto que transferia esta prerrogativa da Funai para o Ministério da Agricultura.
A controvérsia é alvo de quatro ações ajuizadas por partidos políticos (PSB, Rede Sustentabilidade, PT e PDT). A discussão sobre a demarcação de terras indígenas pode marcar a segunda derrota imposta pelo STF ao governo de Jair Bolsonaro (PSL). A primeira foi em junho deste ano, quando o tribunal decidiu, por unanimidade, colocar limites à extinção de conselhos pelo Palácio do Planalto. Os ministros determinaram naquela ocasião que o governo federal não pode extinguir conselhos que tenham sido criados por lei.
A demarcação de terras indígenas é um tema caro ao presidente Bolsonaro e sua discussão expõe as tensões na relação do Palácio do Planalto com o Congresso Nacional e o STF. Ao alterar a estrutura administrativa do governo quando tomou posse, o presidente transferiu da Funai para o Ministéri da Agricultura a responsabilidade por essas demarcações. O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas com alterações — uma delas foi justamente manter essa responsabilidade com a Funai.
Após a derrota parcial no Parlamento, o governo contrariou o Congresso e editou uma nova medida provisória, em uma nova tentativa de deixar com a pasta da Agricultura a demarcação, o que foi suspenso por Barroso. A mudança da transferência da demarcação é um pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das maiores bancadas do Congresso.
Na última segunda-feira, 29, o presidente Jair Bolsonaro disse que a demarcação de terras indígenas está “inviabilizando o nosso negócio”. “O Brasil vive de commodities, daqui a pouco o homem do campo vai perder a paciência e vai cuidar da vida dele. Vai vender a terra, aplicar aqui ou lá fora, e cuidar da vida dele. A gente vai viver do quê? O que nós temos aqui além de commodities?”, questionou o presidente.
Na mesma entrevista, Bolsonaro voltou a afirmar que pretende legalizar o garimpo no País, o que inclui a liberação da atividade em terras indígenas. Também questionou o fato de que as terras indígenas demarcadas no Brasil ficam em áreas “riquíssimas” e disse que organizações não governamentais (ONGs) estrangeiras querem “ter para si a soberania da Amazônia”.
No último sábado, 27, Bolsonaro disse que por pensar dessa forma está enviado seu filho Eduardo Bolsonaro para embaixador nos Estados Unidos. “Estou procurando o primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, a minha aproximação com os Estados Unidos. Por isso, eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos EUA… quero contato rápido com o presidente americano”, afirmou na ocasião.
Em compasso de espera
A pauta do STF prevista para o segundo semestre de 2019 inclui outros julgamentos que carregam forte componente político. Antes de entrar em recesso, no final de junho, a 2ª Turma não concluiu a análise de um Habeas Corpus em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva questiona a imparcialidade do ex-juiz federal Sergio Moro, que o condenou na Operação Lava Jato.
Ainda não há data para a retomada deste julgamento, mas, por tratar-se de um processo com réu preso, ele deve ter preferência sobre os demais. A análise da parcialidade ou não de Sergio Moro pelo Supremo ganhou relevância depois da revelação, pelo site The Intercept Brasil, de mensagens trocadas entre o ex-juiz e o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
Discussão incidental no processo de Lula, a possibilidade de prisão em segunda instância, antes do trânsito em julgado (quando não é mais possível recorrer), não chegou a ser pautada pelo ministro Toffoli, presidente da corte. Mas a tendência é que ele marque este julgamento para outubro. Decano do tribunal, Celso de Mello já cobrou que a questão seja julgada logo.
Um outro julgamento que deve acirrar os ânimos políticos é que discute o uso de dados fiscais e bancários sem autorização judicial. Atendendo a um pedido do senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), o ministro Dias Toffoli, presidente da corte, suspendeu no início do mês, em todo o país, as investigações baseadas neste tipo de informação.
O julgamento do processo que discute o mérito do procedimento está pautado para novembro, mas, diante da repercussão e extensão da decisão, Toffoli avalia antecipá-lo. Ele ainda irá conversar com seus colegas para fazer a alteração, mas o movimento é visto com “natural”. O filho mais velho de Bolsonaro era alvo de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro a partir de relatórios produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e que apontavam movimentações atípicas na conta do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz.
Outros temas
Na próxima semana, no dia 7 de agosto, está previsto o julgamento de uma lei de Santa Catarina que autoriza do porte de armas para agentes de segurança socioeducativos, que trabalham em unidades de internação de menores. Para a Procuradoria-Geral de República, só o Congresso Nacional pode legislar sobre este tema. Na mesma sessão, os ministros devem decidir se o acesso a dados de celular encontrado no local do crime viola o sigilo telefônico.
No dia 4 de setembro, o Plenário deve analisar três ações (ADIs 5956, 5959 e 5964) ajuizadas contra medida provisória que instituiu a tabela do frete do transporte rodoviário. O relator, ministro Luiz Fux, determinou a suspensão, em todo o país, dos processos judiciais que discutem a matéria. Em julho, sob pressão de caminhoneiros, a Agência Nacional de Transportes Terrestres suspendeu uma resolução que modificava as regras de cálculo da tabela.
Também em setembro, a Corte vai analisar um recurso que discute a possibilidade de reconhecimento jurídico da união estável e de relação homoafetiva para o cálculo do rateio de pensão por morte. Em outubro, os ministros discutem cinco ações que tratam da suspensão do registro partido político por falta de prestação de contas, de regras sobre partilha de cadeiras no Legislativo após a aplicação dos quocientes eleitorais, da distribuição de vagas remanescentes no Legislativo e da necessidade de novas eleições quando o registro de candidatura for negado.
Também está marcado para o novembro o julgamento de um Recurso Extraordinário que discute a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Esta análise começou em agosto de 2015 e teve repercussão geral reconhecida, isto é, o que for decidido nele será estendido a outros casos semelhantes nas instâncias inferiores. Já votaram Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Restam os votos de oito ministros.
(com Estadão Conteúdo)