O ministro Celso de Mello, relator do inquérito que investiga o presidente Jair Bolsonaro por suposta interferência política na Polícia Federal, atendeu ao pedido da PF feito no final de maio e prorrogou a apuração por mais 30 dias. A decisão do ministro vem depois de o procurador-geral da República, Augusto Aras, concordar com a solicitação feita pela delegada Christiane Corrêa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado.
A prorrogação de inquéritos é comum em investigações criminais e ocorre pela necessidade de novas diligências. Entre as providências apontadas pela PF como ainda pendentes na apuração está o depoimento de Bolsonaro.
Até o momento, a PF colheu depoimentos do ex-ministro e do ex-diretor-geral da PF, dos ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), além da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), do empresário Paulo Marinho, ex-aliado do presidente, e delegados da Polícia Federal.
“Defiro o pedido de prorrogação de prazo formulado pela Excelentíssima Senhora Delegada de Polícia Federal que preside este Inquérito, Dra. Christiane Corrêa Machado, consideradas, de um lado, as fundamentadas razões por ela apresentadas e tendo presente, de outro, a expressa concordância manifestada pela douta Procuradoria-Geral da República. Prazo: 30 (trinta) dias”, decidiu Mello.
O inquérito foi aberto por Celso de Mello a pedido de Augusto Aras depois de o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro pedir demissão e acusar Bolsonaro de tentar interferir na corporação por meio das trocas do então diretor-geral, Maurício Leite Valeixo, e do superintendente da PF no Rio de Janeiro. Valeixo foi demitido à revelia de Moro, que pediu para deixar o cargo no mesmo dia.
Em entrevista coletiva após pedir demissão e em seu depoimento, o ex-ministro disse que o presidente pretendia fazer as mudanças para ter na PF um diretor com quem pudesse interagir e que lhe fornecesse relatórios de inteligência.
O escolhido por Bolsonaro para o posto foi o delegado da PF e diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, amigo dos filhos do presidente. O ministro do STF Alexandre de Moraes, no entanto, barrou a posse de Ramagem por entender que havia indícios de “desvio de finalidade” na nomeação. Bolsonaro, então indicou o delegado Rolando Alexandre de Souza para o cargo.
Foi no âmbito do inquérito que Celso de Mello autorizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto, apontada por Moro como prova de que Bolsonaro pretendia interferir politicamente na PF. Na reunião, o presidente reclamou dos sistemas de informação da Abin e da PF e afirmou que apenas o seu sistema “particular” funcionava – reportagem de VEJA mostra quem opera o serviço paralelo de informações. Bolsonaro declarou no encontro que havia tentado trocar a “segurança” de sua família no Rio de Janeiro e, não tendo “conseguido”, estava disposto a trocar até um ministro para fazê-lo.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse.
Segundo Moro, a menção a “segurança” se refere à Superintendência da Polícia Federal no Rio, onde o presidente teria buscado interferir politicamente em função de investigações de pessoas próximas a ele. Bolsonaro alega que se referia à segurança pessoal de sua família no Rio, que fica a cargo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). O presidente, no entanto, também cita “amigos”, que, ao contrário de sua família, não têm direito a escolta de seguranças do GSI.