Parlamentares de oposição entraram com uma ação no Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a veiculação da campanha publicitária do pacote anticrime do governo Jair Bolsonaro. Lançada na quinta-feira 3, em cerimônia no Palácio do Planalto, a propaganda custou 10 milhões de reais e defende pontos do projeto de lei que já foram derrubados pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o texto. As peças serão veiculadas até o dia 31 de outubro.
Protocolado na sexta-feira 4 e analisado pelo ministro do TCU Vital do Rêgo, o pedido assinado pelos deputados Orlando Silva (PCdoB-SP), Paulo Teixeira (PT-SP) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ), todos integrantes do grupo de trabalho, e pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sustenta que o pacote anticrime “ainda é algo irreal”, não é uma política de governo, mas sim um projeto legislativo, e como tal não pode ser objeto de campanha publicitária institucional. O argumento se sustenta no artigo 37 da Constituição, segundo o qual “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social”.
“Trata-se de uma ação contrária à Constituição Federal, incompatível com o interesse público e lesiva à moralidade e às finanças da União, uma vez que a presente campanha publicitária se caracteriza única e exclusivamente pelo seu caráter político, não se enquadrando em qualquer dos casos previstos pela Constituição, além do que envolve grandes despesas para os cofres da Administração Pública Federal”, afirmam os autores da ação.
Os parlamentares alegam ainda que, com a campanha, o governo pretende “interferir no ânimo do Legislativo” para que o pacote seja aprovado tal qual elaborado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. “[O projeto é] uma proposta que ainda está em plena e regular tramitação no Congresso Nacional e que, portanto, poderá ser democraticamente alterada pelos legítimos representantes do povo brasileiro”, dizem.
“A situação seria diferente se já houvesse sido legitimado e aprovado pelo Poder Legislativo. Daí a legislação, que seria real e aplicável a todos, poderia ser objeto da publicidade estatal, pois teria por objetivo o esclarecimento da população quanto às novas regras penais e processuais, desde que as mensagens fossem veiculadas com nítido caráter educativo e/ou informativo”, completam.
Além da oposição, o Ministério Público junto ao TCU também impetrou uma ação para suspender a veiculação da campanha do governo.
Em transmissão na internet para abertura do Simpósio Conservador de Ribeirão Preto, no sábado 5, o presidente Jair Bolsonaro disse que “chegando a liminar, imediatamente a gente vai suspender isso daí [a campanha]”. “Quem é que promove essas ações? Pessoal de esquerda e de centro”, criticou.
A campanha
Desde a semana passada, prédios de ministérios ostentam paineis da campanha do pacote anticrime, produzida pela agência Artplan. Depois da cerimônia no Palácio do Planalto, com as presenças de Bolsonaro e Moro, foram lançados na internet dois vídeos que fazem parte da propaganda, com depoimentos de pessoas que tiveram familiares assassinados.
Os vídeos divulgados, ambos em preto e branco, têm como motes “condenados pela impunidade” e “quando a lei não é rigorosa, que é punida é a vítima”. As peças estão em um site criado para divulgação da campanha.
Em um deles, de um minuto e 25 segundos, uma mulher chamada Virgínia relata como o marido foi assassinado por dois criminosos, um deles beneficiado na ocasião por um “saídão” do Dia das Mães. O pacote anticrime pretende endurecer condições para as saídas temporárias da prisão a condenados por crimes hediondos.
“Dois indivíduos que acabaram por realizar esse crime, um deles estava na saída do Dia das Mães. Olha, ele não roubou um pacote de bolacha, ele roubou uma família inteira, ele acabou com a paz de uma família”, diz ela.
No outro vídeo, de dois minutos, um homem chamado Rafael conta como o pai foi morto a facadas por um vizinho depois de uma discussão em uma reunião de condomínio. Mesmo condenado pelo tribunal do júri, responsável por analisar crimes dolosos contra a vida, o assassino não foi preso. O projeto de Moro prevê a execução provisória da pena a condenados pelo júri, mesmo que caibam recursos.
“Cerca de oito meses depois do crime, o assassino já estava andando solto na rua. Estou passando por uma parada de lotação, eu olhei aquela pessoa, assim, de óculos e boné. Uma pessoa dessa na rua é mais um assassino que a gente tem que o que fez com meu pai, pode fazer com qualquer outra pessoa que ele cruzar e ter uma briga”, afirma.
Formado por 15 deputados, o grupo de trabalho da Câmara foi abandonado por parlamentares da base governista, que consideram que o colegiado não guarda proporcionalidade com as bancadas da Casa. Além do pacote anticrime de Moro, o grupo também avalia a proposta elaborada por uma comissão de juristas integrada, entre outros, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o texto que sairá do grupo de trabalho, ainda não concluído, será submetido diretamente ao plenário da Casa. O governo aposta na apresentação de emendas para reverter derrotas no colegiado, que também excluiu pontos como a permissão para prisões após condenações em segunda instância, um dos mais caros a Sergio Moro, e o excludente de ilicitude em casos com excesso no emprego da legítima defesa, uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro.