Logo após a vitória de Jair Bolsonaro, uma deputada estadual eleita pelo PSL em Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo, começou uma campanha para que alunos denunciem professores. Prometendo anonimato, ela pede que vídeos e informações de docentes que fizerem “queixas político-partidárias em virtude da vitória do presidente Bolsonaro” sejam repassados para o seu número de celular com o nome do docente, da escola e da cidade.
A Secretaria de Educação de Santa Catarina, por meio de nota, informou que uma lei estadual proíbe o uso de telefone celular nas salas de aula das escolas públicas e privadas do estado.
“Ainda atenta ao que prevê a legislação, a Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade de ensino e aprendizagem, e em seu artigo 206 destaca que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; e o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo terceiro, reafirma as liberdades já garantidas pela Constituição”, completou.
Historiadora, Campagnolo processou a professora Marlene de Fáveri, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e sua ex-orientadora no mestrado, em 2016, por suposta “perseguição ideológica”. O caso, que marcou as discussões acerca do movimento Escola Sem Partido, foi julgado improcedente em setembro deste ano pelo 1° Juizado Especial Cível de Chapecó (SC), mas a deputada estadual eleita recorreu.
Na publicação deste domingo, Campagnolo diz que “professores e doutrinadores estarão inconformados e revoltados”. “Muitos deles não conterão sua ira e farão da sala de aula um auditório cativo para suas queixas político-partidárias em virtude da vitória de Bolsonaro. Filme ou grave todas as manifestações político-partidárias ou ideológica”, diz a mensagem.
Na legenda, ela afirma ainda que “professores éticos e competentes não precisam se preocupar”. E faz uma ponderação para que vídeos de outros estados não sejam mais enviados. “Não temos como administrar tantos conteúdos. Alunos que sentirem seu direitos violados podem usar gravadores ou câmeras para registrar os fatos”, orienta.
Nos comentários da publicação, Campagnolo sugere que os estudantes “deixem o celular em casa e levem gravador e filmadora”, em resposta a um internauta que questionou se celulares não seriam proibidos em sala de aula. Em outra resposta, reforçou que “é só se comportar direitinho que não precisa ter medo”. Ela também afirmou que as imagens enviadas para o seu celular não serão divulgadas, e sim utilizadas para uma “investigação” e para que sejam verificadas as “medidas cabíveis em cada caso”.
A aprovação do projeto Escola Sem Partido no Congresso é uma das principais bandeiras de Bolsonaro. O movimento, por sua vez, já foi contestado pela Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério Público Federal (MPF) e associação de professores.
Repercussão
Um abaixo-assinado pedindo a impugnação de Ana Caroline Campagnolo foi criado por professores na internet e tinha, até as 16h15 desta segunda-feira, mais de 83.000 assinaturas. “Nós professores entendemos que a referida Ana Caroline está incitando ao ódio ao afirmar inverdades, provocando um ambiente escolar insalubre, visto que nas atribuições em sala de aula, os professores, sobretudo os da área de humanas (alvo das críticas da referida), não fazem doutrinação ao ensinarem seus conteúdos, mas os apresentam e promovem debates com a total lisura, respeitando o livre pensamento dos alunos e da comunidade educacional em geral”, diz o abaixo-assinado.
O Sinte (Sindicato dos Trabalhadores em Educação), regional da cidade de São José, repudiou a prática da deputada eleita por meio de nota oficial. “Tal postagem incita a coação dos professores em sala de aula e promove o desrespeito aos educadores, comprometendo a didática pedagógica profissional”, diz a nota. “Por ser uma futura legisladora, que deve cumprir com sua obrigações constitucionais, ela não pode promover o descumprimento das leis. Nesse sentindo solicitamos ao MP que tome as providências cabíveis”, conclui.