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Decisão desastrada de Fachin muda jogo político e reforça polarização

Ao anular todos os processos contra Lula numa tentativa (frustrada) de proteger Moro, o ministro do STF implode a Lava-Jato e atira o país em incertezas

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h16 - Publicado em 12 mar 2021, 06h00
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  • Edson Fachin nunca escondeu sua admiração pela Lava-Jato e o grande apreço pelo trabalho do ex-juiz Sergio Moro. Nos últimos meses, o ministro estava visivelmente preocupado com o destino da maior operação de combate à corrupção da história. Havia sinais concretos de que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), da qual ele é um dos membros, aceitaria um pedido de suspeição de Moro impetrado pela defesa do ex-presidente Lula. Essa hipótese, se confirmada, não só anularia a principal condenação imposta ao petista como abriria caminho para que outros acusados também escapassem da Justiça. Seria, segundo ele, o início da implosão total da Lava-Jato, a senha para uma anistia geral, a confirmação de que os poderosos continuavam acima da lei. Fachin resolveu agir. Na segunda-feira 8, numa decisão monocrática, extemporânea e surpreendente, ele mesmo se encarregou de implodir tudo — e ainda foi além. Numa única canetada, anulou todos os processos contra Lula, restabelecendo os direitos políticos do ex-presidente, escancarou de vez a porta da impunidade pela qual outros criminosos poderão passar a partir de agora e conspurcou a imagem do STF.

    PROPINA - Sítio em Atibaia: processo rendeu a segunda condenação ao ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro -
    PROPINA - Sítio em Atibaia: processo rendeu a segunda condenação ao ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro – (Diego Padgurschi/.)

    Fachin e a decisão sobre Lula

    A decisão de Fachin, mais que surpreender, chocou por se apresentar como uma manobra jurídica para proteger a reputação de Sergio Moro. Por mais nobres que sejam os objetivos, não é o papel que cabe a um magistrado. A operação tabajara começou a se materializar no fim de semana. Desconfiado de que o pedido de suspeição entraria em pauta na terça-feira 9, o ministro disparou uma bateria de mensagens de texto para o presidente do Supremo, Luiz Fux, defendendo a necessidade de proteger o legado da Lava-Jato, mas não deu pistas do que pretendia fazer. Uma das hipóteses era agendar o julgamento de algum figurão apanhado na investigação. Não houve tempo para levar o plano à frente. Na manhã de segunda-feira, Fachin soube que o pedido de suspeição de Moro seria realmente analisado no dia seguinte. Sem muito tempo para elaborar, a ideia que surgiu foi anular os processos contra Lula, argumentando que os casos envolvendo o ex-presidente não tinham conexão direta com o escândalo da Petrobras e, portanto, não deveriam ter tramitado na Justiça Federal em Curitiba. Imaginava que essa medida tornaria sem efeito o pedido de suspeição, salvaria a biografia do ex-juiz e ainda preservaria uma parte da Lava-Jato — mas conseguiu apenas produzir uma das maiores patacoadas jurídicas da história do STF.

    VIROU FICÇÃO - Lula: preso em 2018 por crimes que agora não existem mais -
    VIROU FICÇÃO - Lula: preso em 2018 por crimes que agora não existem mais – (Heuler Andrey/AFP)

    Edson Fachin passou a borracha nas duas condenações de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro e em outros dois processos que ainda estavam em curso (veja o quadro). Sem as imputações, o petista não se enquadra mais na Lei da Ficha Limpa, recupera seus direitos políticos e, se desejar, pode disputar as eleições presidenciais do ano que vem (veja a reportagem na pág. 28). Fachin, ressalte-se, não inocentou Lula, mas lhe conferiu um salvo-conduto para seguir a vida, sem a perspectiva de voltar a ser incomodado pela lei. O ministro determinou que os processos anulados sejam refeitos na Justiça Federal em Brasília — uma tese que pode­ria fazer sentido lá trás, mas não agora. Com essa mudança de competência, de acordo com cálculos de especialistas, o julgamento na primeira instância seria concluído, na melhor das hipóteses, em cinco anos. Ou seja, sem considerar eventuais incidentes, o ex-presidente receberia sua sentença em 2026, quando estará com 81 anos. Em caso de condenação, vale lembrar, ainda há possibilidade de vários recursos na segunda instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no próprio STF. Em suma, as chances de uma nova punição são praticamente nulas.

    Arte Lula Processos

    Processos anulados

    Por isso não é exercício de retórica afirmar que o ministro Fachin ressuscitou um moribundo Lula. Em 2015, o ex-presidente surfava na popularidade que conquistou durante seu governo, viajava o mundo ministrando palestras e simultaneamente construía uma invejável fortuna. A Lava-Jato descobriu que esse sucesso estava alicerçado sobre um monumental esquema de corrupção que tinha o petista como artífice e beneficiário. Em conluio, políticos e empresários saqueavam os cofres da Petrobras, bancavam campanhas eleitorais com o dinheiro roubado e, em alguns casos, como o de Lula, multiplicavam o próprio patrimônio. O ex-­presidente foi condenado a 26 anos de prisão em dois processos, teve a sentença confirmada por nove juízes em duas instâncias, ficou 580 dias trancafiado numa cela e foi incluído naquela categoria de criminosos que o ex-ministro do Supremo Celso de Mello classificou como “profanadores” e “marginais” da República. O despacho de Fachin fez tudo isso evaporar.

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    CONTRA-ATAQUE - Mendes: ele ignorou a decisão de Fachin e deu sequência ao julgamento de pedido de suspeição -
    CONTRA-ATAQUE - Mendes: ele ignorou a decisão de Fachin e deu sequência ao julgamento de pedido de suspeição – (Fellipe Sampaio/SCO/STF)

    O mais interessante é que a decisão do ministro se sustenta numa tese jurídica que já havia sido apresentada pelos advogados e rejeitada várias vezes, inclusive pelo próprio Fachin. Em dezembro de 2017, quatro meses antes de Lula ter a prisão decretada, Paulo Okamotto, amigo e braço direito do ex-presidente, ingressou com uma ação no Supremo questionando a competência legal de um juiz do STJ para julgar seu envolvimento em um processo da Lava-Jato. Na época, Fachin foi incisivo: “A discussão acerca de eventual violação do princípio do juiz natural reveste-se de índole infraconstitucional, de tal modo que, se afronta ocorresse, seria indireta, o que não atende à exigência (…) da Lei Maior”. Traduzindo: o ministro negou o pedido por considerar que aquela não era uma discussão constitucional e, portanto, não cabia ao Supremo analisá-la. Em setembro de 2018, a defesa de Lula questionou o Supremo sobre a competência legal de Sergio Moro para atuar no processo do tríplex. A decisão de Fachin foi a mesma. Segundo ele, não há contradição. Cada caso é um caso.

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    DESMONTE - Deltan Dallagnol, o líder da Lava-Jato: outros condenados vão querer o mesmo tratamento de Lula – (Rodolfo Buhrer/La Imagem/Fotoarena)

    Lava- Jato e STF

    Na condição de relator da Lava-­Jato no STF, o ministro, além de anular os processos contra Lula, determinou o arquivamento do pedido de suspeição de Sergio Moro. No fim de 2018, já condenado e preso, o ex-presidente ingressou com uma ação acusando Moro de ter agido com parcialidade e pedindo a anulação de todos os atos praticados pelo magistrado. Na época, um dos principais argumentos dos advogados era o fato de Moro ter aceitado o convite para assumir o cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro, o que evidenciaria que ele havia atuado com motivação política. A reviravolta começa em junho de 2019, a partir do momento em que hackers invadem a conta de um aplicativo de mensagens dos integrantes da força-tarefa e copiam conversas mantidas entre os procuradores. Os diálogos revelaram que havia uma parceria entre os investigadores e o juiz. Moro aparece sugerindo diligências e indicando testemunhas. As mensagens também levantam suspeitas de que a força-tarefa promoveu investigações clandestinas e violou sigilos de autoridades — o que, se confirmado, é absolutamente ilegal. O objetivo de Fachin era encerrar esse caso e evitar a desqualificação do ex-juiz.

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    NO BANCO DOS RÉUS - Moro: a manobra de Fachin para protegê-lo esculhambou a Lava-Jato e acabou fracassada – (Fátima Meira/Futura Press/.)
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    O ministro Gilmar Mendes, porém, ignorou a decisão do colega e pautou o julgamento da suspeição de Moro, que recomeçou na terça-feira, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, a quem caberá o voto de minerva. O placar está empatado por 2 a 2. Mendes, aliás, já estava com sua decisão pronta havia algumas semanas, mas, como ainda tinha dúvidas sobre o voto de Nunes Marques, segurou sua apresentação. A atabalhoada decisão de Fachin acabou acelerando o processo. Ou seja: a intenção de salvar Moro não surtiu efeito, colocou de todo modo o ex-juiz no banco dos réus e ainda provocou diversos efeitos paralelos. Entre eles, a implosão da Lava-Jato e o recrudescimento da polarização entre esquerda e direita no país. “Ainda que eu tenha restado vencido na maioria dos casos em que se reduziu a competência da vara, apliquei a agora orientação majoritária do colegiado”, disse Edson Fachin a VEJA.

    Embora as chances de vitória sejam remotas, o procurador-geral da República, Augusto Aras, anunciou que vai recorrer ao plenário do STF para tentar reverter a decisão do ministro de anular os processos contra o ex-presidente. Por enquanto, ela está valendo apenas para Lula, mas isso, de acordo com juristas, é questão de tempo. “Réus e delatores que fecharam acordos em Curitiba e eventualmente não estão satisfeitos com os benefícios podem argumentar que seus crimes nada tiveram a ver com a Petrobras”, adverte a desembargadora aposentada Cecília Mello. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, condenado a 55 anos de prisão, e o doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros colaboradores a descrever em detalhes o esquema de corrupção que operava na estatal, já acionaram seus advogados para avaliar todas as possibilidades. Para proteger Sergio Moro, o ministro Edson Fachin reforçou a percepção de que o rigor da lei é um princípio de ocasião que não vale para todos.

    Com reportagem de Gabriel Mascarenhas

    Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729

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