Em março do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu em caráter liminar trechos da Lei da Estatais que restringiam a indicação de políticos para cargos de direção em empresas públicas. A norma foi criada no governo do então presidente Michel Temer, após a revelação dos escândalos de corrupção na Petrobras que envolveram o PT e uma miríade de políticos de vários partidos. Desde 2016, estava proibida a indicação para cargos de diretoria ou para o conselho de administração das companhias de ministros de Estado, dirigentes partidários, parlamentares e pessoas que atuaram na estrutura decisória de campanhas eleitorais – o que representou um avanço nos critérios de governança, ergueu barreiras de contenção contra ingerências indevidas, privilegiou o profissionalismo e estancou a roubalheira. A suspensão da medida, decidida liminarmente pelo então ministro Ricardo Lewandowski, permitiu ao governo Lula preencher livremente mais de 580 cargos considerados estratégicos, inclusive na Petrobras.
Na última quinta-feira, 9, o STF finalmente concluiu o julgamento que questionava a constitucionalidade dos principais artigos da Lei das Estatais. Por 8 votos a 3, os ministros decidiram que as regras não são desproporcionais, como argumentou o PC do B, autor da ação, e nem atingem os direitos fundamentais das pessoas, como defendia o governo Lula. Ou seja: as normas aprovadas em 2016 continuam valendo e proíbem as nomeações políticas para cargos em diretorias e conselhos de administração das empresas públicas. Em tese, portanto, todos os indicados que não se enquadram na norma legal deveriam ser substituídos. Estariam nesse rol, entre outros, o ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, demitido por Lula na última-terça-feira, confusão que provocou enormes prejuízos à empresa, além de gestores que assumiram posições importantes no Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Correios e Caixa Econômica. Embora desejável, não é isso que vai acontecer.
Na mesma sessão que reconheceu a constitucionalidade da lei, os ministros também decidiram que os políticos nomeados por Lula poderão continuar onde estão. Parece contraditório. A tese foi apresentada pelo ministro Dias Toffoli. Segundo ele, quem foi indicado quando a lei estava suspensa tem o direito de permanecer no cargo. A proposta foi encampada pela maioria dos ministros. “Passado tanto tempo, em que pessoas já estão exercendo os cargos há mais de um ano, eu acho que a gente criaria uma instabilidade indesejável, afetando o princípio da continuidade dos serviços públicos”, ponderou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF. Ex-ministro da Justiça do governo Temer, Alexandre de Moraes também endossou a tese que criou uma espécie de exceção constitucional. “Várias nomeações já foram feitas e as pessoas assumiram de boa-fé. Os trabalhos vêm sendo realizados”, disse ele em seu voto.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) lembra que o reconhecimento da constitucionalidade da Lei das Estatais foi uma decisão de extrema relevância para a sociedade. Desde que ela entrou em vigor, as denúncias de corrupção nas empresas públicas diminuíram e a recuperação financeira é ascendente — reflexos de um distanciamento maior dos gestores em relação ao poder de turno. A preocupação é que esse cenário mude. Ao menos 60 políticos foram alojados em cargos importantes enquanto vigorou a liminar concedida por Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça. Essas pessoas podem permanecer nos cargos até 2016, quando termina o governo Lula, ou até 2030, caso o presidente seja reeleito. Dependendo de como se comportarem, podem botar a perder uma nova cultura que começava a produzir resultados. “A manutenção dos administradores não foi a melhor decisão”, diz Valéria Café, diretora do IBGC. “O argumento de se preservar a continuidade da gestão é bastante frágil, já que a maioria dessas posições foi preenchida há pouco mais de um ano ou menos – e muitos por pura barganha política, com nomes de fora da carreira ou histórico de atuação na área”, ressalta Bruno Brandão, diretor da Transparência Internacional.
O caso da Petrobras é o melhor exemplo de como a ingerência política pode levar uma companhia à beira da bancarrota. A Operação Lava-Jato descobriu que, em um período de dez anos, englobando os dois primeiros governos de Lula e Dilma Rousseff, um consórcio formado por políticos, partidos e empresários desviou 42 bilhões de reais dos cofres da petroleira. O esquema de corrupção começava exatamente com a nomeação dos diretores da empresa. A Lei das Estatais foi editada para impedir que esse tipo de coisa voltasse a se repetir. “Essa decisão do Supremo representou um casuísmo que dificilmente a população vai entender. Não sei se isso pode gerar um novo petrolão, mas abre um grave precedente”, diz a professora Maria Tereza Sadek, do departamento de Ciência Política da USP e diretora do Instituto Não Aceito Corrupção. Vale sempre lembrar que as estatais e as empresas de economia mista são criadas — e algumas mantidas até hoje — pelos impostos dos contribuintes. Devem ser úteis à sociedade – e só a ela.