Bem na foto (mas só na foto)
Apesar do pacto entre o governo e o Congresso, parlamentares ensaiam movimentos para tentar reduzir os poderes do presidente
O presidente Jair Bolsonaro gostou do resultado das manifestações populares a favor de seu governo realizadas no domingo 26, em pelo menos 150 municípios. No Twitter, classificou-as de “extremamente significativas” e “históricas”. Num café da manhã que ofereceu aos chefes dos poderes Legislativo e Judiciário, na terça-feira 28, provocou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, um dos alvos preferenciais das hostes bolsonaristas que foram às ruas: “Com a caneta, eu tenho mais poder do que você”. Ao receber Maia e os comandantes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e do Senado, Davi Alcolumbre, Bolsonaro queria apaziguar os ânimos depois de parcela dos manifestantes ter defendido o fechamento do Congresso e do STF. Queria também articular um pacto entre os poderes a favor de projetos considerados prioritários, como a reforma da Previdência. A ideia era boa: dar uma demonstração de força e conseguir o endosso das autoridades ao seu programa de governo. Como de costume, faltou combinar com os outros personagens da foto que ilustra estas páginas.
Embora tenha proporcionado uma bela imagem, o pacto já enfrenta resistência de parlamentares e magistrados. No STF, o ministro Marco Aurélio Mello jogou gasolina no incêndio ao declarar que Dias Tofolli não tem procuração do tribunal para negociar pactos com outros poderes. No Congresso, a mesma sina: o governo continua a colher derrotas. Na quarta 29, Davi Alcolumbre disse que não vai pôr em votação a medida provisória que flexibiliza o Código Florestal, sob a alegação de que o Senado não terá tempo suficiente para debatê-la. A MP foi assinada pelo então presidente Michel Temer, mas conta com a anuência de Bolsonaro por agradar ao agronegócio, uma das principais bases de apoio de sua gestão. Com a atitude, Alcolumbre reforçou o coro puxado por Rodrigo Maia sobre a necessidade de pôr um freio na edição de medidas provisórias pelo presidente da República. Os parlamentares cogitam até acolher um projeto nesse sentido. Na terça 28, os senadores já haviam aprovado a retirada do Coaf, o órgão de inteligência financeira do governo federal, do guarda-chuva do Ministério da Justiça. O Coaf voltará para a alçada da pasta da Economia, justamente o que queriam evitar os bolsonaristas que participaram das manifestações a favor do governo.
No tapete verde da Câmara, os reveses também são sucessivos. Sob a batuta de Maia, aquele cuja caneta tem menos tinta e poder, os deputados aprovaram uma proposta de emenda constitucional que engessa ainda mais o Orçamento da União — e que por isso é combatida pela equipe econômica — e anularam um decreto presidencial sobre sigilo de informações. Eles ainda deram início à tramitação de uma proposta de reforma tributária diferente da defendida pelo escrete do ministro Paulo Guedes. No caso da reforma da Previdência, Maia e Alcolumbre já declararam que não têm compromisso com a aprovação integral do projeto elaborado por Guedes. Ambos prometem patrocinar mudanças no texto, para que ele fique mais ao feitio dos congressistas do que da gestão Bolsonaro. Hoje há uma disputa clara pela paternidade do avanço da agenda econômica. Nos bastidores do Congresso, a atuação de Maia é vista como uma tentativa de implantar um “parlamentarismo branco”. Há políticos, no entanto, que defendem passos mais ousados.
Um grupo suprapartidário de senadores, que reúne quadros do PSDB ao PT, tem debatido a possibilidade de pôr em votação uma emenda constitucional para implantar o parlamentarismo no Brasil a partir de 2022, o que reduziria os poderes de Bolsonaro caso seja reeleito. “Criar empregos deve ser a prioridade, mas o sistema político está em crise há bastante tempo. Cabe a nós discutir soluções”, disse a VEJA o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Outra ideia em estudo é votar o chamado recall do mandato presidencial, que também só valeria a partir de 2022. O recall funcionaria como uma espécie de plebiscito para que os eleitores decidam sobre a continuidade ou não do governo. Apesar das conversas, prevalece por enquanto o entendimento (correto, por sinal) de que ainda não é hora de tirar tais projetos da gaveta, para não conturbar um ambiente político já devidamente conturbado.
Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637
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