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Acordo entre Poderes por emendas esconde conflitos que ainda não terminaram

Longe das lentes dos fotógrafos, o encontro entre o governo, o Congresso e o Judiciário teve momentos de tensão

Por Daniel Pereira, Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 ago 2024, 15h22 - Publicado em 23 ago 2024, 06h00
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  • A foto que abre esta reportagem mostra representantes das cúpulas dos Três Poderes num momento de harmonia, quase de confraternização, como sugerem alguns rostos sorridentes. Ela foi tirada na última terça-feira, 20, antes do início de uma reunião organizada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, para tratar da decisão do STF que suspendeu o pagamento de emendas parlamentares e, na prática, obrigou governo e Congresso a negociarem novas regras para a liberação de recursos do Orçamento da União. Após o encontro, Barroso declarou que os participantes chegaram a um consenso sobre a questão das emendas. “Foi uma reunião muito produtiva, de muito bom diálogo, com o propósito comum de solução”, ratificou o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que comanda o Legislativo. À frente do Executivo, Lula — que não esteve na conversa, mas mandou dois ministros para representá-lo— reforçou o coro e, numa solenidade no Palácio do Planalto, enalteceu a capacidade de entendimento entre as autoridades como um “testemunho da força e da maturidade da nossa democracia”. A paz, aparentemente, reina na Praça dos Três Poderes. Aparentemente.

    REAÇÃO - Pacheco e Lira: congressistas alertaram para desmandos, inutilidades e privilégios envolvendo ministérios
    REAÇÃO - Pacheco e Lira: congressistas alertaram para desmandos, inutilidades e privilégios envolvendo ministérios (Pedro Ladeira/Folhapress/.)

    Longe das lentes dos fotógrafos, a reunião teve momentos de tensão. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), queixou-se de uma tabelinha entre o governo e o Supremo na decisão sobre as emendas, que foi elogiada por Lula e despertou instintos de retaliação por parte dos parlamentares. A alegação do deputado tem como pano de fundo o fato de o presidente ter adotado como estratégia, desde o início de seu terceiro mandato, recorrer ao STF para reverter derrotas sofridas no Congresso, como ocorreu no caso da desoneração da folha de pagamento. Outro momento de constrangimento ocorreu quando o ministro Flávio Dino, relator do caso na Corte, usou o termo “rachadinha”, popular na crônica político-policial brasileira, para se referir às emendas de bancada, recursos indicados por congressistas para as unidades da federação pelas quais foram eleitos. Houve quem interpretasse a fala de Dino como uma tentativa de criminalização desse tipo de emenda, mas nada que interditasse o debate. Também causou especial irritação o fato de o ministro da Casa Civil, Rui Costa, debochar do formato atual do gasto dos deputados, chamado por ele de “aerossol”. Em resposta, Lira e Rodrigo Pacheco apontaram desmandos, inutilidades e privilégios envolvendo as verbas de ministérios, deixando um climão no ar.

    Em linhas gerais, o STF decidiu que todos os tipos de emendas têm de ser transparentes e rastreáveis. Ou seja: é obrigatória a divulgação de qual parlamentar indicou a verba, qual projeto e localidade foram beneficiados e quem executou o serviço. Esses requisitos não eram cumpridos, por exemplo, nos casos do notório orçamento secreto e das chamadas “emendas Pix”. O Supremo também estabeleceu que os recursos não podem mais ser pulverizados, ou indicados por deputados e senadores para onde bem entenderem, mas terão de contemplar projetos estruturantes definidos em comum acordo com o Executivo. Daí a euforia de Lula. Daí também a ameaça de retaliação dos parlamentares contra o governo e o Judiciário. “O Planalto promoveu um motim para tentar ficar com as emendas, viu que era uma ‘Operação Tabajara’ baiana e acabou recuando”, diz um político que acompanhou as tratativas. Com as mudanças adotadas nos últimos anos, parlamentares tornaram obrigatório o pagamento da maior parte das emendas, que chegaram à casa dos 50 bilhões de reais no Orçamento deste ano (veja o quadro).

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    Na última campanha, Lula disse que acabaria com a farra nessa seara, mas, em minoria no Congresso, pouco fez, e a remodelagem das regras acabou viabilizada agora pelo Supremo. “A decisão devolve ao Executivo a execução do Orçamento aprovado pelo Congresso. As emendas terão de se adequar tecnicamente ao que o Executivo determina como prioridade e, no caso do valor, terão de respeitar também a situação fiscal do país”, afirma um ministro da cozinha do presidente. Depois de adotarem como reação inicial a ameaça de revide, integrantes da cúpula do Congresso dizem agora que, com a janela de negociação aberta pela Justiça, será possível chegar a bom termo. Afirmam ainda que a maioria das emendas continuará impositiva, um direito adquirido e irrevogável. De novo, as aparências enganam. Nas conversas reservadas, sobram especulações de que o episódio foi uma espécie de emboscada para atingir Arthur Lira, que controla boa parte da destinação das verbas.

    No atual governo, Lira rompeu relação com o ministro da articulação política, Alexandre Padilha, por entender que ele era o autor intelectual de regras adotadas pelo Ministério da Saúde para dificultar a liberação de emendas parlamentares. O presidente da Câmara aos poucos foi se aproximando do chefe da Casa Civil, Rui Costa, a ponto de estabelecerem um canal privilegiado de diálogo. Foi assim até a decisão do Supremo. Agora, nos gabinetes mais importantes do Congresso, afirma-se que Rui Costa — o mais sorridente na foto — está por trás da suspensão dos pagamentos das emendas. A menção a projetos estruturantes, por exemplo, seria uma maneira de forçar os parlamentares a destinar recursos para obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento, bandeira com a qual o ministro pretende se cacifar como candidato a presidente da República quando Lula não concorrer mais ao posto. A ofensiva sobre as emendas, portanto, também estaria inserida no contexto da disputa interna do PT entre o chefe da Casa Civil e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pelo posto de sucessor natural do presidente.

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    SUSPEITA - Elmar: eleição na Câmara estaria na raiz da investida do governo (@deputadoelmarnascimento/Instagram)
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    Esse diagnóstico não é propriamente uma novidade. Desde o ano passado, em razão das restrições orçamentárias, o governo tentava convencer deputados e senadores a incrementarem o PAC com suas emendas. Não deu certo. Também no ano passado, Lira recomendou a Lula que anunciasse sua candidatura à reeleição como forma de encerrar as brigas e as disputas de poder entre seus ministros que sonham com o Planalto. Na reta final de seu segundo mandato à frente da Câmara, Lira tem como prioridade fazer o seu sucessor no cargo. O candidato de seu coração é o líder do União Brasil na Casa, Elmar Nascimento, que enfrenta a concorrência de outros nomes, como Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Antonio Brito (PSD-BA). Segundo o roteiro original, Lira anunciará o concorrente escolhido por ele ainda em agosto, em tese optando por aquele que se mostrou mais forte para vencer o páreo. Essa tarefa já é delicada naturalmente. Para aliados de Lira, a decisão do Supremo também foi pensada para fragilizar a posição dele nesse assunto, o que, garantem, não ocorreu.

    A VEJA, um ministro próximo a Lula declarou que o Executivo, mesmo com a tendência de ganhar protagonismo no caso das emendas, não pretende confrontar Lira em sua jornada para fazer o próximo presidente da Câmara: “A sucessão na Câmara está cada vez mais embolada, mas o governo não tem nada com isso. Acho que o Lira não conseguirá costurar um nome de consenso e os candidatos disputarão no voto”. Grande parte do prestígio que Lira e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), favorito para assumir a presidência do Senado no ano que vem, desfrutam decorre do poder que eles tiveram nos últimos anos para distribuir emendas parlamentares. Ancorado pelo Supremo, Lula pretende recuperar as prerrogativas que os presidentes da República perderam nesse terreno nos últimos anos. As negociações nos próximos dias dirão qual o resultado final desse cabo de guerra. Mais importante do que saber quem levará a melhor, se Executivo ou Legislativo, é garantir que o uso do dinheiro público seja transparente e eficiente — e não combustível para uso eleitoreiro, deleites pessoais e corrupção.

    Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907

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