Um documento da Suprema Corte dos Estados Unidos que ameaçaria o direito ao aborto no país foi divulgado na madrugada desta terça-feira, 3, pelo portal de notícias Politico, gerando grande repercussão entre ativistas. O rascunho do parecer do mais alto tribunal federal norte-americano apontava uma tendência de derrubada da decisão histórica Roe vs. Wade, garantidora da interrupção voluntária da gravidez por quase meio século.
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O caso da texana conhecida como Jane Roe, que alegou que sua gravidez era resultado de uma violação, abriu um precedente na legislação do país, que passou a permitir o aborto por qualquer motivo até cerca de 23 semanas de gravidez.
Em nota à imprensa, o tribunal confirmou que o documento é “autêntico”, mas ressaltou que “não representa uma decisão do Tribunal ou a posição final de qualquer membro sobre as questões do caso”.
Ainda assim, a mera divulgação do documento deixou dúvidas sobre o futuro da legislação no país. Abaixo, entenda o que poderia mudar nas resoluções sobre direitos reprodutivos nos EUA se a decisão do esboço divulgado refletir no parecer final do tribunal, previsto para votação oficial no próximo mês.
Se a decisão for derrubada, o aborto será ilegal em todos os estados dos EUA?
A nova resolução, se oficializada, pode deixar os EUA em uma situação diferente em relação aos últimos 50 anos, fazendo com que a legalidade do aborto passe a depender exclusivamente dos estados. Os governos estaduais decidiriam individualmente se e quando os abortos seriam legais. Por enquanto, o aborto permanece legal em todos o país.
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Como os EUA se comparariam com o resto do mundo?
O país governado por Joe Biden se tornaria um dos poucos no mundo que restringiram direitos reprodutivos nos últimos anos. Desde 1994, apenas três países endureceram as leis de aborto em vez de afrouxá-las: Polônia, El Salvador e Nicarágua. Recentemente, cerca de 59 países ampliaram o acesso ao procedimento, segundo o Centro de Direitos Reprodutivos.
Sessenta e seis países – que abrigam cerca de um quarto das mulheres em idade reprodutiva do mundo – proíbem o aborto ou o permitem apenas se a vida da mulher estiver em perigo.
Em fevereiro, a Colômbia, por exemplo, votou pela descriminalização do aborto nas primeiras 24 semanas de gravidez. O país se junta a Uruguai, Guiana, Cuba, Argentina e México na lista de nações latino-americanas que flexibilizam o acesso à interrupção da gestação.
Quando a decisão passaria a valer?
O documento que foi vazado supostamente se trata de um esboço, e não de um veredicto final. Pode levar um mês ou mais até que a Suprema Corte julgue oficialmente o caso, e sua decisão pode diferir do documento divulgado nesta terça-feira.
Se a Suprema Corte decidir contra o aborto, as clínicas em alguns estados provavelmente vão fechar em poucos dias. Em outros estados que proíbem o procedimento, o processo pode demorar vários meses.
Em que regiões o acesso ao aborto provavelmente seria reformulado?
De acordo com dados do Centro de Direitos Reprodutivos, que acompanha de perto as leis estaduais, o aborto provavelmente se tornaria ilegal em cerca de metade dos EUA. Há algumas divergências sobre quais estados adotariam a proibição, mas segundo a organização não-governamental, a lista incluiria os territórios do Alabama, Arizona, Arkansas, Geórgia, Idaho, Indiana, Kentucky, Louisiana, Michigan, Mississippi, Missouri, Nebraska, Carolina do Norte, Dakota do Norte, Ohio, Oklahoma, Pensilvânia, Carolina do Sul, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Utah, Virgínia Ocidental e Wisconsin.
Treze estados têm as chamadas “leis de gatilho”, que foram aprovadas para tornar o aborto ilegal assim que a Suprema Corte o permitir. Alguns mantêm antigas leis de aborto estaduais que foram invalidadas pela decisão do caso Roe, mas que poderiam ser aplicadas novamente. Já outros estados, como Oklahoma, têm proibições ao aborto que foram aprovadas neste ano, à espera de uma mudança na Suprema Corte.
Haveria alterações no número de abortos nos EUA?
Pesquisas estimam que se a Suprema Corte de fato proibir o aborto, o número de procedimentos legais provavelmente cairá cerca de 14%. A queda se explicaria pelo fato de que a interrupção da gravidez passaria a ser realizada por apenas alguns estados e quem optasse pelo procedimento precisaria viajar longas distâncias até essas localidades. Segundo dados do governo, a maioria das gestantes que abortam faz parte da população carente e não teria condições financeiras para o deslocamento.
Há ainda o fator da redução da capacidade de atendimento das clínicas especializadas restantes. Contudo, geralmente os registros oficiais não refletem a realidade, já que o aborto geralmente é subnotificado sobretudo quando realizado de maneiras alternativas, fora das clínicas especializadas.
Qual o perfil de optantes pelo aborto nos EUA?
De acordo com uma pesquisa do Instituto Guttmacher, organização que promove a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos nos EUA, atualmente, cerca de uma em cada quatro mulheres estadunidenses fez um aborto em algum momento de sua vida. Entre elas estão mulheres de todas as origens, mas há uma tendência maior entre jovens negras na faixa dos 20 anos, de baixa renda e que já possuam um filho.