O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, diverge do republicano Donald Trump em uma profusão de áreas – tendo se elegido, essencialmente, sob uma campanha anti-Trump. Uma de suas propostas cruciais, portanto, não poderia deixar de ser a agenda de combate às mudanças climáticas, para a qual o democrata promete direcionar 2 trilhões de dólares em quatro anos.
Quando assumiu o cargo em 2017, Trump retirou o país do Acordo de Paris, pacto internacional criado para evitar o aquecimento global. Durante a contagem dos votos da eleição na semana passada, Biden confirmou que um de seus primeiros atos como presidente será reverter a medida do antecessor.
O objetivo é que os países signatários trabalhem para manter a temperatura global no máximo 2ºC mais alta do que o período pré-industrial, mitigando as emissões de dióxido de carbono. Como os Estados Unidos têm as maiores emissões cumulativas de CO² desde 1750, são líderes essenciais para o processo.
“Com a eleição de Biden, a China, a União Europeia, o Japão, a Coréia do Sul e agora os Estados Unidos, teriam compromissos para alcançar as metas sobre emissões de gases de efeito estufa”, avalia a ONG ambiental Climate Action Tracker. Esses países representam dois terços da economia mundial e mais de 50% das emissões globais.
O compromisso com a questão ambiental se manifestou por meio das conversas do presidente eleito com chefes de Estado europeus na terça-feira. Em telefonemas com Boris Johnson, Angela Merkel e Emmanuel Macron, referiu-se à “crise climática”, urgindo que as nações trabalhassem juntas para combater o aquecimento global.
Para cumprir com a agenda anti-Trump e reimplementar as metas do acordo de Paris, Biden planeja desde ampliar a frota de carros elétricos até mudar a forma como o governo compra bens e serviços.
Democratas mais radicais apresentaram uma proposta chamada “Green New Deal”, que eliminaria emissões de carbono em apenas uma década. O plano climático de Biden é mais moderado, mas, se promulgado, ainda será o mais progressivo da história.
Zerar emissões líquidas de CO² até 2050
Biden planeja livrar toda a produção de eletricidade dos Estados Unidos de CO² até 2035 e fazer com que o país atinja emissões líquidas zero do gás até a metade do século. Ou seja, equilibrar qualquer emissão restante com a absorção de uma quantidade equivalente, por exemplo, plantando árvores.
O democrata prometeu investir 2 trilhões de dólares na construção de 1,5 milhões de unidades habitacionais sustentáveis, em transporte público, na fabricação de veículos elétricos e pontos de recarga, e em incentivos fiscais para gerar eficiência energética – como incitar consumidores a trocarem seus automóveis por opções mais “verdes”.
Para pagar por isso, Biden aumentará a arrecadação federal, elevando, por exemplo, a alíquota do imposto de renda corporativo de 21% para 28%.
Contudo, mesmo que seu plano seja inteiramente executado, pode não evitar o aquecimento do planeta. Aproximadamente 10% do globo já aqueceu os 2ºC dos quais fala o acordo de Paris, que causarão danos irreversíveis à Terra.
O dilema do fracking
O fraturamento hidráulico, ou fracking, é o processo de injeção de água e areia em alta pressão para criar fissuras em uma formação rochosa, para liberar óleo e gás natural. A técnica, amplamente usada pela indústria do petróleo, está ligada a impactos ambientais negativos, como contaminação da água, emissões de metano, poluição do ar e destruição de ecossistemas.
Depois de muita polêmica envolvendo o assunto, já que a indústria emprega uma grande quantidade de pessoas, Biden disse que não permitirá o fracking apenas em terras federais. Cerca de 90% das atividades de fraturamento hidráulico ocorre em terras estatais ou privadas, não será afetado.
“O fraturamento hidráulico precisa continuar porque precisamos de uma transição”, disse Biden, em setembro. “Não há nenhuma justificativa para eliminar, agora, o fracking”, argumentou.
Além das agências ambientais
Biden planeja envolver todo o governo federal nas questões climáticas, desde os departamentos de Agricultura ao Tesouro e Estado. O texto “Projeto Clima 21” de sua campanha especifica mudanças na administração para reduzir os gases do efeito estufa, além de apenas reverter as políticas do governo Trump que flexibilizaram controles de poluição.
As recomendações incluem a criação de um Conselho Nacional do Clima da Casa Branca, estabelecer um “banco de carbono” dentro do Departamento de Agricultura – que poderia pagar aos agricultores e proprietários de florestas para “armazenar” carbono em suas terras –, envolver o Departamento de Transporte para eletrificar carros e caminhões e desenvolver uma política climática no Departamento do Tesouro, promovendo a redução de carbono por meio de políticas fiscais.
Embora republicanos provavelmente lutem contra os ambiciosos investimentos em energia renovável de Biden, essas mudanças estruturais moderadas podem conquistar a oposição.
Caminho do meio
A menos que os senadores democratas ganhem as eleições de segundo turno na Geórgia em janeiro, o Partido Republicano deve permanecer no controle do Senado, o que exigirá uma alta capacidade de articulação.
Nos últimos anos, já houve um abrandamento da retórica de alguns republicanos em relação à luta contra o aquecimento global. Em setembro, democratas e republicanos cooperaram em um projeto de lei para reduzir o uso de hidrofluorcarbonos (HFCs), alguns dos gases de efeito estufa mais danosos. O Senado também aprovou a Lei Bipartidária de Conservação da Vida Selvagem, para proteger ecossistemas vitais.
Sem o apoio do legislativo, o presidente fica refém das ordens executivas, abertas a contestações judiciais (o Plano de Energia Limpa do ex-presidente Barack Obama, por exemplo, foi barrado pela Suprema Corte). Mas o jornal The Washington Post avalia que, se Biden investir na criação de empregos e novas infraestruturas, lidando ao mesmo tempo com o CO2, pode encontrar um caminho do meio.