O adolescente G.M.C, de 16 anos, obteve leniência de um juiz de Nova Jersey, nos Estados Unidos, depois de ser acusado pelo estupro de uma menina da mesma idade. Graças ao benefício, o réu não poderá ser julgado como um adulto pela Justiça americana e estará sujeito a, no máximo, cinco anos de prisão.
O caso foi revelado nesta quarta-feira, 3, pelo jornal The New York Times. Após denúncia dos promotores, o juiz James Troiano, do Tribunal Superior de New Jersey, tornou-se alvo de uma ação movida pelos advogados do estado. Em um documento de 14 páginas, eles chamaram a atenção para a atitude de parcialidade do magistrado em relação a “adolescentes privilegiados”.
Segundo os promotores, a menina de 16 anos, visivelmente embriagada, foi estuprada pelo adolescente em um porão durante uma festa do pijama em Nova Jersey. Ele gravou a ação, expondo o tronco despido da vítima, que estava com a cabeça baixa e aparentemente desacordada.
Dias depois do crime, G.M.C. compartilhou o vídeo do crime com seus amigos e, ainda de acordo com os investigadores, legendou as imagens com a mensagem: “quando a sua primeira vez foi em um estupro.”
Apesar das evidências, o juiz Troiano decidiu que o caso não era de estupro, mas de “abuso sexual”. Ele define estupro apenas como o ataque sexual envolvendo dois homens e a ameaça de uma arma de fogo.
O juiz ainda argumentou que o jovem vinha de uma boa família, estudava em uma boa escola, tinha excelentes notas e já havia conquistado a maior classificação possível como escoteiro. Em seu veredito, James Troiano afirmou que os promotores deveriam ter explicado à vítima e sua família que prestar queixa poderia destruir a vida do garoto.
James Troiano ainda afirmou que as atitudes do réu não foram sofisticadas ou predatórias e que as suas mensagens de texto eram “apenas as de um garoto de 16 anos falando ‘merda’ com seus amigos.” “Ele é claramente um candidato forte não apenas à universidade mas, provavelmente, à uma boa universidade”, defendeu Troiano em sua decisão, tomada ainda em 2018 no Condado de Monmouth.
Com a cessão de leniência, o juiz impediu que os promotores transferissem o caso de G.M.C para um grande júri, onde ele seria julgado como um adulto por seus atos. O estado de Nova Jersey permite que os jovens maiores de 15 anos sejam indiciados como maiores de idade quando acusados de crimes graves, ocasiões em que são submetidos a júri popular.
Sigilo
Os casos da Vara de Família são sigilosos, mas os vereditos dos juízes se tornaram públicos graças às decisões dos Tribunais de Apelação. No processo de Troiano, não existem detalhes sobre a data e o lugar de Nova Jersey em que o crime entre os dois adolescentes aconteceu.
Mas os promotores afirmam que o abuso foi cometido em uma festa regada a álcool com a presença de outros 30 menores de idade. O caso foi denunciado em uma estação de rádio local. Segundo o programa, a vítima, identificada apenas como Mary, teria entrado em uma área escura do porão acompanhada pelo acusado.
Depois do ataque, segundo os promotores, G.M.C deixou o quarto, mas alguns dos amigos da jovem, preocupados, foram averiguar sua situação. Eles encontraram Mary no chão do porão, vomitando. A mãe de uma das meninas a levou para casa.
Na manhã seguinte, Mary não conseguia lembrar a origem de suas roupas rasgadas e de ferimentos pelo corpo e contou para a mãe que temia que “coisas sexuais tivessem acontecido na festa” sem o seu consentimento.
Nos meses seguintes, a vítima ficou sabendo sobre o suposto vídeo do crime compartilhado por G.M.C. O garoto, quando confrontado, negou ter gravado a situação e afirmou que os amigos estavam mentindo, afirmam os autos.
Mary descobriu que o jovem continuava espalhando as imagens do estupro e pediu para sua mãe entrar em contato com as autoridades. A responsável pela menina entrou oficialmente com um processo em 2017.
Em setembro do mesmo ano, o promotor do condado de Monmouth, Christopher J. Gramiccioni, recomendou que o réu fosse julgado por um tribunal para adultos, já que suas ações haviam se mostrado “sofisticadas e predatórias.”
“Quando ele levou Mary para a academia do porão, ela estava visivelmente embriagada e incapaz de andar sem tropeçar”, escreveu o promotor. “Durante o abuso, as luzes da academia permaneceram desligadas e a porta estava bloqueada com uma mesa de pebolim. Filmar um vídeo no celular enquanto cometia o ataque foi um ato deliberado de degradação da vítima”, completou o pedido.
O advogado de acusação ainda chamou atenção para a dissimulação do réu, ao mentir sobre a existência do vídeo enquanto compartilhava o material com amigos. “Esse não foi um equívoco infantil ou um mal-entendido. O comportamento de G.M.C foi calculado e cruel”, escreveu Gramiccioni. “Nós nos atemos à ideia de que o sistema juvenil deve servir à reabilitação. Mas quando lidamos com acusações tão sérias como essas, o cenário é totalmente diferente.”
O advogado do adolescente acusado, Mitchell J. Ansell, não retornou os contatos do Times. Segundo Gramiccioni, se a decisão do juiz Troiano for mantida, o réu ficará com a ficha limpa depois de completar 21 anos, e sua sentença será restringida a cinco anos de prisão em um centro de internação para menores, com possibilidade de liberdade condicional.
Na apelação, o juiz Troiano foi criticado por “decidir o caso por si mesmo” em vez de seguir os protocolos previstos pela Constituição americana e as provas apresentadas pela promotoria.
Nos últimos anos, vários magistrados dos Estados Unidos enfrentaram críticas por sua postura diante de casos de abuso sexual. Em um dos mais notórios, em 2016, um juiz da Califórnia sentenciou um estudante da Universidade Stanford a apenas seis meses de prisão depois dele ter sido condenado pelo estupro de uma mulher inconsciente. Depois de uma campanha pública, o juiz Aaron Persky foi removido de suas funções na corte.
Troiano, de 70 anos, não é o único a ser criticado pelos Tribunais de Apelação no estado de Nova Jersey. Em outro caso, já revertido pelos promotores, a juíza Marcia Silva decidiu não indiciar um adolescente de 16 anos como adulto pelo estupro de uma menina de apenas 12, em 2017. Ela alegou que, “para além da perda da virgindade, o Estado não constatou nenhum outro ferimento na vítima, seja ele físico, mental ou emocional.”