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Com meio ambiente em foco, Scholz se reúne com Lula em Brasília

Chanceler da Alemanha busca reatar laços perdidos sob o governo Bolsonaro. A parceria com o Brasil, contudo, é marcada por promessas que não saíram do papel

Por Amanda Péchy
Atualizado em 30 jan 2023, 13h59 - Publicado em 30 jan 2023, 13h53
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  • O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, se reúne com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Brasília nesta segunda-feira, 30. No centro do primeiro encontro com um líder de uma potência europeia está a pauta ambiental, enquanto Scholz busca ampliar a parceria com o Brasil na área de desenvolvimento sustentável. Mas, como descreveu o jornal alemão Tagesschau, essa é uma “ofensiva de charme”. Marcada por promessas não cumpridas, a relação com a Alemanha ainda tem que mostrar a que veio.

    Não significa que não há interesse por parte do Brasil – pelo contrário. No primeiro discurso após a vitória nas eleições, Lula disse que “o Brasil está de volta” e que era um país “grande demais para ser relegado a pária no mundo“. Depois de quatro anos da política externa isolacionista do ex-presidente Jair Bolsonaro, o novo governo tem como objetivo reatar os muitos laços rompidos. A Alemanha, como uma das principais porta-vozes da União Europeia (junto à França, cujo presidente Emmanuel Macron deve ser o próximo a fazer uma visita ao Palácio da Alvorada), faz parte do projeto.

    Berlim tem potencial de maior cooperação em áreas como clima e tecnologia, bem como interesses convergentes em temas difíceis, a exemplo da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Que seu líder esteja disposto a vir ao Brasil é bom sinal: desde agosto de 2015 um chanceler alemão não viaja a Brasília, em flagrante sinal da perda de envergadura do Brasil no cenário internacional durante os governos de Michel Temer e Bolsonaro.

    A visita de Scholz ocorre em um momento complexo para a potência europeia. A Alemanha tornou-se um dos maiores players geopolíticos do mundo após a Segunda Guerra Mundial, mas sobretudo depois do fim da Guerra Fria, mas hoje enfrenta um mundo cada vez mais hostil, em que Estados Unidos e China voltam a flertar com uma ordem de bipolaridade, e uma guerra a meros 1.500 km de distância de sua fronteira ao leste.

    A invasão da Rússia à Ucrânia, há quase um ano, abalou a segurança mundial, os mercados de energia e alimentos, gerou uma enorme crise humanitária e aprofundou o confronto entre democracias e autocracias. Quando o conflito eclodiu, em 24 de fevereiro do ano passado, Scholz havia assumido o cargo de chanceler há apenas dois meses e meio, e repentinamente deparou-se com desafios estratégicos – como a decisão, esta semana, de autorizar o envio dos tanques de guerra Leopard 2 requisitados por Kiev. Mais importante, talvez, o líder europeu precisou repensar a política energética do país, extremamente dependente de Moscou para o suprimento de gás natural.

    Neste cenário, o Brasil surge como um aliado potencial, especialmente devido ao seu destaque como líder regional na América Latina. Em meio a conflitos – bélicos e econômicos – entre grandes potências, Scholz é um grande defensor do multilateralismo e multipolaridade, e encontra em Lula um líder que faz eco aos seus apelos. Em linguagem simples, o mundo está sendo reorganizado – e a Alemanha está procurando novos parceiros para se posicionar de forma mais ampla.

    Por isso o líder alemão iniciou no sábado 28 um périplo pela América do Sul, que o levou pela primeira vez como chefe de governo não só ao Brasil, mas também à Argentina e ao Chile. Outra sinalização semelhante já aconteceu na posse de Lula, quando vieram a Brasília o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, e sua ministra do Meio Ambiente, Steff Lemke.

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    Para além dos interesses geopolíticos, o Partido Social-Democrata (SPD), de Scholz, e o Partido dos Trabalhadores de Lula são ligados por afinidade ideológica desde os anos 1980. Quando ainda estava preso, o presidente recebeu uma visita do ex-líder do SPD Martin Schulz em Curitiba, em 2018. Três anos depois, Lula se reuniu com Scholz, já eleito, em Berlim – na ocasião, o chanceler disse estar “encantado com as boas discussões”. O momento atual é propício para uma articulação: apenas de 2003 a 2005, no governo de Gerhard Schröder, petistas e sociais-democratas alemães lideraram governos federais ao mesmo tempo.

    É preciso ver, contudo, como essa “ofensiva de charme” se traduz na prática. Desde que Lula chegou ao poder pela primeira vez, em 2003, a influência alemã e europeia na América Latina e no Brasil vem diminuindo. Enquanto a Alemanha tinha uma participação de 9,4% nas importações brasileiras em 2002, esse percentual caiu para apenas 5,1%, enquanto as da China subiram para 22,4%.

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    A Fundação de Ciência e Política (SWP), de Berlim, disse em análise recente que “narrativas que postulam ‘valores comuns’, ‘parceria estratégica’ ou um ‘diálogo olhos nos olhos’ são retóricas ilusórias que cada vez fazem menos justiça aos fatos”. “A base comum está desmoronando”, resume, apontando crescimento da influência chinesa.

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    Quando ainda era chanceler alemã, Angela Merkel veio ao Brasil em 2015, para se encontrar com a então presidente, Dilma Rousseff. A líder europeia expressou interesse em investir em projetos de infraestrutura e logística no Brasil, mas o governo já estava em crise política e o país, em crise econômica, então o vice-ministro das Finanças alemão vetou a proposta. A condição para uma parceria do tipo era que o Brasil apresentasse um “quadro mais interessante” – é dizer, maior segurança e diminuição do chamado “custo Brasil”.

    Com o governo Lula, surge interesse, em primeiro lugar, na pauta ambiental, que se desdobra em 1) parceria para desenvolver energias sustentáveis e 2) a proteção da Amazônia. O primeiro tópico é mais espinhoso, porque implica lidar com o “custo Brasil”, mas o Itamaraty já informou que Scholz deve oficializar nesta segunda-feira a liberação de 31 milhões de euros (R$ 172 milhões) para o Fundo Amazônia. Os recursos serão divididos em duas partes, com 10 milhões de euros (R$ 55 milhões) para projetos de bioeconomia na região amazônica e 21 milhões de euros (R$ 116 milhões) para o combate ao desmatamento.

    Em dezembro passado, a Alemanha já havia se comprometido a aplicar rapidamente 35 milhões de euros (R$ 194 milhões) do fundo, que atualmente conta com cerca de 600 milhões de euros (R$ 3,33 bilhões) em recursos disponíveis para novos projetos. O Fundo Amazônia está congelado desde 2019, quando o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mudou as regras da gestão dos recursos sem consultar seus doadores, Alemanha e Noruega, que também descontinuaram os repasses devido à política ambiental de Bolsonaro.

    A ministra do desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, parte da comitiva de Scholz no Brasil, disse em comunicado que o foco da política de desenvolvimento alemã no Brasil deve ser em “bens globais: clima, florestas tropicais, biodiversidade. Especificamente, trata-se da proteção e uso sustentável de florestas tropicais, energias renováveis e eficiência energética, bem como desenvolvimento urbano sustentável”. Ela deve reunir-se nesta segunda-feira com o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin.

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    Na Argentina e no Chile, onde o chanceler alemão esteve no fim de semana, estiveram em pauta projetos de desenvolvimento envolvendo lítio e hidrogênio verde.

    Lula e Scholz devem encontrar-se no Planalto nesta tarde e jantar no Itamaraty à noite. Na agenda dos líderes, também estará em pauta o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que foi assinado em 2019 mas ainda não foi ratificado. Durante o governo Bolsonaro, o bloco europeu recusou-se a dar andamento ao acordo devido à destruição da Floresta Amazônica.

    + Lula defende acordo Mercosul-China após conclusão de pacto com UE

    Na última quarta-feira 25, Lula disse, em uma viagem ao Uruguai – um dos membros do Mercosul – que considera a concretização do pacto uma pauta “urgente”. No entanto, o PT já sinalizou que deseja rever algumas cláusulas, por considerá-las menos vantajosas para produtores e empresários brasileiros do que para a indústria europeia, com foco em agricultura, agropecuária e desenvolvimento sustentável.

    O tema da defesa da democracia e direitos humanos no Brasil também está na agenda, bem como a ampliação da já considerável cooperação acadêmica com a Alemanha – inclusive parcerias para estudar o desmatamento na Amazônia. A guerra na Ucrânia pode vir a ser citada nas conversas, mas não deve ocupar espaço central na agenda – afinal, não parece ser o tema preferido de Lula. No dia 20 de janeiro, o presidente brasileiro recusou um pedido do chanceler alemão para enviar munição para tanques de guerra a Kiev, preferindo uma postura de neutralidade.

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    Na semana passada, a rede pública alemã DW (Deutsche Welle) publicou um artigo que diz que relação da Alemanha com a América do Sul se assemelha à daquele “velho amigo de escola que bate à porta a cada poucos anos, brinda à amizade e aos velhos tempos e depois desaparece rapidamente”. Os esforços de Scholz podem sinalizar para uma vontade maior de potencializar os laços, mas ainda não é possível dizer se essa parceria vai, enfim, dar resultados concretos.

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