Brasil e Argentina entraram em choque sobre a aceleração das negociações dos acordos de livre comércio do Mercosul com o Canadá, Singapura, Coreia do Sul, Índia e Líbano. Neste sábado, 25, o Ministério das Relações Exteriores argentino informou, com crítica à forma como o governo brasileiro lida com a pandemia de Covid-19 e a crise econômica, que não participará dessas conversas e apenas acompanhará os próximos passos dos acordos já fechados pelo bloco com a União Europeia e a Associação de Livre Comércio Europeia (Efta, na sigla em inglês). A chanceleria de Buenos Aires agregou serem esses “debates estéreis”.
A posição argentina foi apresentada durante vídeoconferência na sexta-feira 24 dos coordenadores nacionais dos quatro países do bloco. A aceleração das negociações comerciais do Mercosul é uma das prioridades da política comercial conduzida pelo Ministério da Economia brasileiro. A abertura de mercados para os produtos da região, porém, vem com contrapartidas especialmente nos setores industrial e de serviços que, do ponto de vista do governo de Alberto Fernández, não fazem sentido.
A Argentina, porém, defendeu a preservação do Mercosul. “(Na videoconferência, a Argentina) argumentou que a integração regional é uma forma de enfrentar a pandemia global e suas consequências econômicas e sociais”, informou a cancilaria por meio de comunicado. “Também indicou que, em sua política interna, a Argentina se previne dos efeitos da pandemia enquanto proteje as empresas, o emprego e a situação das famílias mais humildes. O faz de forma diferente da de alguns parceiros, que planejam a aceleração das tratativas sobre acordos de livre comércio com a Coreia do Sul, Singapura, Líbano, Canadá e Índia”, completou.
O Itamaraty, responsável pelas negociações comerciais, não se manifestou até o momento. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia mencionado a possibilidade de o Brasil se enveredar nessas negociações mesmo sem a companhia dos sócios do Mercosul. As regras da união aduaneira, porém, não permitem movimentos individuais. Mesmo se for concedida uma licença pelo bloco para negociações do Brasil, o interesse dos parceiros do outro lado da mesa pode ser prejudicado pela ausência da Argentina, Uruguai e Paraguai. No caso dos acordos já fechados com a União Europeia e a Efta, provavelmente as negociações teriam de voltar ao começo.
A decisão da Argentina já havia sido antecipada durante a campanha eleitoral de Fernández, em 2019. O cenário econômico argentino, quase em colapso naquela época, piorou ainda mais neste ano com os efeitos da pandemia de Covid-19. O país mantém-se em quarentena restrita, o que tem gerado resultados na contenção do coronavírus. Há 3.607 casos confirmados da doença em seu território e 179 mortes, segundo levantamento da Johns Hopkins University, de Washington. No aspecto econômico, porém, a situação é crítica, com perspectiva de recuo no Produto Interno Bruto (PIB) de 5,7%, inflação acima de 50% ao ano e desemprego em 11%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). A instituição também considera impraticável a renegociação da dívida do país.
Embaixador
O novo atrito entre Brasil e Argentina sobre o futuro do Mercosul surge no momento em que o governo de Fernández concedeu o agrément para o embaixador brasileiro Reinaldo Salgado assumir a representação do Brasil em Buenos Aires. Experiente nas negociações entre os dois países e nas do bloco, Salgado vai substituir Sérgio Danese, designado para a embaixada na Argentina durante o governo de Dilma Rousseff.
A designação já foi enviada pelo Itamaraty para a Comissão de Relações Exteriores do Senado, onde o diplomata será sabatinado. Sua aprovação para o posto será dada pelo plenário da casa. Atualmente, Salgado é secretário de Negociações Bilaterais na Ásia, Oceania e Rússia