Malcom Ferdinand, pensador martinicano e autor do livro Uma ecologia decolonial (Ubu Editora), propõe uma nova perspectiva para enfrentar as crises do mundo contemporâneo a partir do pensamento decolonial — abordagem crítica que busca desafiar e desconstruir as estruturas de poder, conhecimento e cultura estabelecidas pelo colonialismo.
Ferdinand ministrará um minicurso nos dias 26 e 27 de agosto, dividido em duas aulas de duas horas cada, no qual apresentará os argumentos centrais de seu livro e aprofundará a discussão sobre “O navio negreiro: sair do porão da modernidade em busca de um mundo”. A seguir, os melhores trechos da conversa.
Como você fez a transição de engenheiro ambiental para falar sobre questões sociológicas? É uma jornada. Eu queria desenvolver uma melhor compreensão da sociedade para lidar com questões políticas e filosóficas que eu não conseguia abordar com meu treinamento em engenharia. Era uma habilidade ou educação complementar que eu queria ter.
O que você quer dizer com “habitar colonial do mundo”? Qual é o problema em torno disso? A crise ecológica é realmente sobre uma crise de habitação. É importante começar por aí porque há uma tendência de ver a crise ecológica apenas como algo que acontece lá fora na natureza. Mas ela começa aqui em nossas casas. O desafio é encontrar uma maneira de habitar o planeta que forneça condições de dignidade, igualdade e liberdade, mantendo as condições de vida na Terra.
Como as mudanças climáticas e o racismo se relacionam? As mudanças climáticas são resultado da habitação colonial. As pessoas mais afetadas por diferentes eventos climáticos, como furacões e inundações, são frequentemente as que mais sofrem sob essa habitação colonial – são as pessoas racializadas, as pessoas que também sofrem com o racismo. Você descobrirá que a maioria dessas pessoas está de alguma forma relacionada ao fim dominante da colonização.
Como podemos comunicar o conceito de “descolonização” às pessoas nas comunidades, nas favelas, às pessoas pobres? Acho que as pessoas pobres, as pessoas comuns, as pessoas da favela, também podem pensar. Elas têm a possibilidade de conceituar também. As pessoas têm uma ideia do que é colonização, talvez uma ideia mais forte do que professores ou ativistas. O desafio é encontrar uma maneira de se comunicar, encontrar outras pessoas que não estejam nos lugares clássicos de pensamento, da universidade. Essa é a coisa mais importante para mim.
Como você lida com as recentes tragédias ambientais, que afetam em princípio as pessoas mais pobres? Se houver um lugar que não seja regulamentado, é claro que as pessoas mais pobres irão morar lá. Sem acesso a uma educação mais segura e à seguridade social, você cria e fabrica estruturalmente as condições para tais desastres. É sobre como e por que algumas desigualdades são geradas e construídas diante desses eventos da Terra.
No Brasil, temos monumentos aos bandeirantes que caçaram e escravizaram os povos indígenas. Qual é a sua opinião sobre esses símbolos? Como não sou brasileiro, não cabe a mim dizer o que deve ser feito. Mas falando da minha perspectiva como um martinicano na França, estátuas que estão celebrando a colonização ou desumanização do meu povo, os negros, tê-las como um símbolo da França, para mim, não é negociável. Não é algo que eu possa aceitar.