Durante muito tempo, a produção de vinhos do Uruguai ficou conhecida quase que exclusivamente pela casta tannat, originária da França e que encontrou no vizinho sul-americano as condições climáticas ideais para a criação de rótulos mais frutados e menos agressivos que as versões francesas. Foi assim que nasceram rótulos de alta gama que se tornaram icônicos, como o Balasto, da Bodega Garzón, e o Preludio, da Familia Deicas. Eles, de fato, são marcantes, carros-chefe de uma vitivinicultura que guarda outras surpresas. Uma nova geração uruguaia de produtores forjados na Europa e nos Estados Unidos introduziu inéditas variedades de uva no pequeno país, o que levou ao surgimento de bebidas de ótima — e inesperada — qualidade. Não à toa, os vinhos de lá parecem ter caído no gosto dos brasileiros. Em 2021, o Brasil importou do Uruguai 3,9 milhões de litros — o equivalente a 70% da produção destinada ao exterior —, quase o dobro do volume comprado em 2016.
A tannat continua reinando acima das outras variedades. Ela é a principal estrela dos chamados rótulos de guarda, produzidos principalmente na região costeira do país, onde as condições climáticas oferecem a acidez ideal aos vinhos feitos para ser consumidos em muitos anos. Excelentes rótulos, contudo, passaram a ser elaborados com a uva albariño, originária da Península Ibérica e usada nos vinhos verdes de Portugal, onde é conhecida como alvarinho. A Bodega Garzón foi pioneira em explorar o potencial da casta a um preço acessível, mais em conta que o das bebidas produzidas pelos concorrentes europeus. As variedades francesas cabernet franc, petit verdot (usada em cortes clássicos da região de Bordeaux) e marselan (cruzamento entre a cabernet sauvignon e grenache) também ganharam destaque na produção uruguaia recente.
O interesse do público brasileiro tem acompanhado essa transformação. Acostumado a vinhos encorpados, como o malbec argentino, o consumidor passou a optar por vinhos mais frescos e frutados, adequados ao clima brasileiro, feitos para ser tomados ainda jovens. É aí que entram em cena os enólogos uruguaios, que foram estudar principalmente nos Estados Unidos e na França e agora retornaram com o conhecimento necessário para fazer vinhos de baixa intervenção, explorando o terroir local. “Os uruguaios são como artesãos do vinho”, diz Giuliana Nogueira, enófila especialista em vinhos uruguaios que compartilha suas dicas e experiências nas redes sociais. “As vinícolas são menores e mesmo os rótulos de entrada são feitos com cuidado e apresentam grande qualidade.”
O Uruguai é um dos maiores consumidores de vinho do continente, com uma média anual de 25 litros per capita. Poucas décadas atrás, no entanto, boa parte do vinho consumido era vendida em garrafões, produzida em larga escala e com menor atenção à qualidade. Nos anos 1990, uma tragédia virou oportunidade. A filoxera, praga que havia devastado as vinícolas da França no século XIX, atingiu os vinhedos uruguaios. No momento de recomeçar, os produtores passaram por um processo de profissionalização. Foi criado então o Instituto Nacional de Vitivinicultura do Uruguai (Inavi) e os vinhedos se tornaram mais diversos, com castas trazidas especialmente da Europa.
Quem pretende se aventurar pelos vinhos uruguaios provavelmente não se arrependerá. A onipresente tannat dá origem a tintos potentes e rosês frutados, que remetem a framboesa. Além de ser empregada na preparação de rótulos brancos, a albariño pode resultar em espumantes, algo pouco usual no mercado. Para os paladares mais ousados, há alternativas como os vinhos laranja, cujas cascas das uvas não são retiradas durante o processo de fermentação, e tintos feitos com métodos ancestrais de maturação em ânforas de argila. Nem todos eles são encontrados nas prateleiras brasileiras, mas a boa notícia é que o Uruguai é logo ali, a poucas horas de viagem. Vale o passeio — e surpreenda-se.
Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798