Eis uma verdade inconveniente: se você quiser impressionar os convidados para um jantar regado a vinhos — quando os encontros presenciais puderem voltar, é claro —, diga a eles que está oferecendo garrafas caras, mesmo sabendo terem custado pouco. Sirva no decanter, sem mostrar os rótulos. Segundo a ciência do comportamento, o anfitrião certamente impressionará os convivas, que rasgarão elogios à qualidade das bebidas. Parece exagero, mas um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Basileia, na Suíça, mostrou que o vinho barato bate mais agradavelmente no paladar quando é sugerido que seus valores são elevados. O experimento envolveu 140 mulheres e homens, que degustaram três tintos italianos, com preços e qualidade diferentes. Alguns dos degustadores puderam ver os preços reais, mas, para outros, a marcação foi propositalmente exorbitante. O vinho mais em conta, apresentado com um valor quatro vezes maior, teve um desempenho 20% mais alto no teste de degustação — e foi considerado o melhor de todos. A conclusão: existe um efeito psicológico evidente a depender do modo como o ser humano é submetido ao consumo.
“Durante muitos anos, valores altos eram indicativos de qualidade e durabilidade de um item, e instintivamente refletimos isso até hoje”, diz Paola Almeida, professora de psicologia comportamental da PUC de São Paulo. Um trabalho da Universidade de Bonn, na Alemanha, mostrou que inflacionar o preço de um produto tem impacto na fisiologia cerebral, aumentando de forma significativa a ativação da região associada a recompensa e motivação — a mesma área estimulada pelo uso de drogas. A reação vale para todo produto cobiçado, sejam vinhos, roupas, eletrônicos ou qualquer outro item considerado de luxo.
Nos últimos anos, com a crescente preocupação ambiental, a geração dos chamados millennials, formada por nascidos entre 1980 e 1994, começou a manifestar mais prazer em experiências pessoais do que na posse de produtos. Em vez de adquirir casa e carros, eles optam por alugar e aplicar o dinheiro em viagens e cursos de línguas, por exemplo. Um levantamento da empresa de consultoria americana Harris Group identificou que 72% dos americanos nessa faixa etária preferem gastar dinheiro em experiências individuais a comprar bens materiais. Acredita-se que isso esteja relacionado ao fato de tais vivências permanecerem na memória, enquanto o valor percebido dos objetos enfraquece com o tempo. O curioso é que também nesse novo modo de consumir há estudos que identificam o mecanismo de recompensa atrelado a etiquetas com preços salgados, o que reforça a submissão humana ao valor monetário de um produto. Por essa lógica, o item caro deve ser inevitavelmente bom.
No ano passado, a imprensa americana divulgou um episódio ocorrido em 2000, mas que vinha sendo guardado como segredo para evitar constrangimentos. Em um dos restaurantes mais badalados de Nova York, o Balthazar, quatro executivos de Wall Street pediram um Château Mouton Rothschild 1989, o vinho mais caro da casa, listado a 2 000 dólares. Na mesa ao lado, um jovem casal escolheu um singelo pinot noir por 18 dólares. Por um erro de serviço, os vinhos acabaram trocados. O incrível da história é que os clientes nem sequer notaram a diferença. Convém ressaltar, porém, que os degustadores experientes provavelmente identificariam o engano. Isso não invalida o resultado da pesquisa suíça. No fundo, o estudo mostra que o ser humano pode ser facilmente manipulado. Muitas vezes, basta cobrar caro.
Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734