A tradição milenar diz que os melhores azeites do planeta são aqueles desenvolvidos pela cozinha mediterrânea. Países como Espanha, Itália e Portugal conquistaram ao longo da história a justa fama de produzir exemplares de tão elevada qualidade que jamais poderiam ser incomodados por outros fabricantes. Não à toa, o poeta Homero chamou os azeites feitos em sua Grécia Antiga de “ouro líquido”, expressão que acabaria consagrada pelo tempo. No lado de cá do globo, o Brasil, dadas as suas características climáticas, nunca se inseriu nesse panteão como protagonista. As oliveiras, afinal, precisam de temperaturas baixas no período que antecede a floração e, por isso, jamais houve muita disposição para investir no ramo em solo nacional. O cenário, contudo, mudou da água para o vinho — ou para o azeite, para ficarmos nesta página. Pois nos últimos anos a olivicultura avançou no Sul do país e o que se vê agora é uma safra inédita de produtos reconhecidos até no exterior.
Há alguns dias, a tradicional competição italiana EVO IOOC elegeu o azeite Arbequina, produzido pela Milonga na cidade gaúcha de Triunfo, o melhor do Hemisfério Sul. O mais surpreendente é que não se trata de uma conquista isolada. Outros rótulos nacionais também ganharam destaque no evento, superando inclusive rivais mais tarimbados, como gregos e italianos. Pouco antes, no início de maio, o Sabiá, fabricado na paulista Santo Antônio do Pinhal, na Serra da Mantiqueira, ingressou na seletíssima lista elaborada pela associação espanhola Evooleum Awards como um dos dez melhores do mundo, sendo o único representante fora da Europa.
Os resultados chamaram a atenção da comunidade internacional não apenas pela posição geográfica dos vencedores, mas também pela juventude de seus olivais. O movimento pró-azeite começou a ganhar vigor a partir do início dos anos 2010, quando produtores descobriram como adaptar as oliveiras, habituadas ao clima mediterrâneo, à realidade brasileira. Nesse período, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) iniciou pesquisas de campo que se revelaram fundamentais. A história da Milonga ilustra bem a questão. O rótulo premiado faz parte da primeira safra comercial da marca e foi concebido após minuciosas análises da qualidade do solo. “Sempre fui apaixonado por azeite, mas só em 2015 vi que era possível produzir no Brasil com qualidade”, afirma Chris Vogt, sommelier de azeites e um dos sócios da empresa. O primeiro pomar foi plantado em 2017 e apenas agora surgiu a primeira safra grande. “Normalmente, o pomar chega à maturidade após oito ou dez anos, então é possível que o volume aumente ainda mais.”
De acordo com o Instituto Brasileiro de Olivicultura, o Brasil tem 7 000 hectares de área plantada com oliveiras. A produção se espalhou pelo país, chegando até a Bahia. Foi no Rio Grande do Sul, contudo, que os fabricantes encontraram o clima mais adequado. Mesmo assim, se viram obrigados a fazer adaptações. A principal está relacionada ao solo, mais ácido que o mediterrâneo. Para alcançar a quase neutralidade, ele deve receber calcário, elemento vital para que as plantas se desenvolvam. Mas não é só isso. “O terroir, que é a interação entre clima e solo, tem conferido aos azeites nacionais características sensoriais que não são encontradas nas plantações de seus países de origem”, afirma o engenheiro agrônomo Fabrício Carlotto, consultor de olivicultura. Apesar dos notáveis avanços, o mercado nacional é um dos mais modestos do mundo, com o consumo anual per capita de 0,4 litro por pessoa — para efeito de comparação, na Grécia o índice gira em torno de 13 litros. O surgimento de excelentes azeites brasileiros tem tudo para mudar por aqui a situação do “ouro líquido”.
Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795