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“O esporte me mostrou o quanto eu sou linda”

Beatriz Souza, ouro em Paris, falou a VEJA sobre os caminhos para os quais o esporte a levou – e também sobre a avó, é claro

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 ago 2024, 19h07 - Publicado em 9 ago 2024, 16h18

Há beatrizes célebres. A de Dante Alighieri, supostamente inspirada em Beatrice Portinari, a filha de um banqueiro florentino do século XIII. Tem a do Chico Buarque e do Edu Lobo, “será que ela é moça, será que ela é triste, será que é o contrário?” A canção – uma das mais bonitas da MPB – faz parte da trilha sonora do musical O Grande Circo Místico, lançado em 1983, baseado no poema surrealista do alagoano Jorge de Lima, de 1938. Chico contou ter ficado madrugadas a fio encalacrado, sem que a letra saísse. A personagem original se chamava Agnes, de quem ele gostava, mas não teve jeito de conseguir rima. Aí então, saiu-se com isso: “Sim, me leva para sempre, Beatriz/Me ensina a não andar com os pés no chão/Para sempre é sempre um triz”.

“E agora tem a Beatriz Souza”, diz a Bia do judô, a medalhista de ouro na categoria acima de 78 quilos. A frase, que da boca de uns e outros poderia soar arrogante, dela sai com a simplicidade dos campeões improváveis, o sorriso aberto emoldurado pelos óculos para miopia e astigmatismo. No dia 2 de agosto, sexta-feira, ela acordou de um jeito e foi dormir campeã olímpica. Ao retornar para a Vila dos Atletas foi celebrada como uma personagem de Dante, como uma figura buarquiana. Festa, algazarra, a tradicional celebração de colegas para quem subiu no pódio. Já era madrugada quando a temperatura baixou, e ela então foi para o quarto que dividia com a judoca Larissa Pimenta, que em 27 de julho ficara com o bronze na categoria de até 52 quilos. As duas depois levariam outro bronze, por equipes. Pois é: naquele canto do prédio de número 3 em Saint-Denis, haveria quatro medalhas olímpicas pousadas com delicadeza em cima das malas.

Beatriz demorou para dormir – um pouco pelo incômodo da cama de papelão e muito pelo que lhe acontecera. E o que faz uma atleta dourada quando deita? Sonha com o paraíso de Dante, cantarola Chico Buarque, dá um pulinho até a infância na cidade de Peruíbe, no litoral de São Paulo? Nada. “Fiquei revendo mentalmente as lutas”, diz. Para sua treinadora no Clube Pinheiros, de São Paulo, a ex-judoca Maria Suelen Altheman – com quem inclusive lutou inúmeras vezes, em busca de vaga em olimpíadas –, a Bia faz da dedicação recurso inigualável. “A categoria de pesados no judô é muito cerebral, exige concentração permanente, é um jogo de estratégia”, afirma Maria Suelen. “A Bia fez uma Olimpíada muito inteligente”.

“EU IA DAR UM JEITO DE VENCER NA VIDA”

Na semifinal, venceu a francesa Romane Dicko, muito querida dos torcedores, e que ganhara ainda mais carinho depois de relevar ter sofrido bullying por ser negra e grande. Foi às redes sociais, deu entrevistas, e transformou a anatomia em manifesto. “Comigo é a mesma coisa”, diz a brasileira. “O esporte me mostrou o quanto eu sou linda, o quanto o meu corpo é importante, o quanto eu preciso amar o meu corpo. A Suelen uma vez me falou que o corpo é nosso instrumento de trabalho, e se a gente não amasse nosso corpo, quem é que ia amar? Peguei essa frase para a minha vida”. E se não fosse judoca, campeã olímpica? Ela ria, e não aceita enveredar pela ideia de que estaria apenas lutando para sobreviver, como tantas outras bias como ela. “Eu ia dar um jeito de vencer na vida, com estudo. Faço administração de empresas, mas agora on-line – um dia eu me formo”.

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Ela só para de sorrir – de gargalhar, sublinhe-se – quanto entra em um tema que a fez conhecida, depois do título, ao falar para as câmeras de televisão com os pais, no Brasil, pelo celular. “Foi pela vó, é pra vó, mãe”. A singeleza da homenagem é um capítulo de beleza olímpica – os vencedores de quem mal se ouviu falar, e como nós, jornalistas, corremos atrás de informações enquanto ela avançava na chave… A avó era Brecholina, mãe da mãe, que morreu aos 87 anos, dois meses antes dos Jogos de Paris. Caiu em casa e quebrou a cabeça do fêmur. No hospital, contraiu uma infecção. Beatriz puxa o fio daquele “foi pela vó”, as três palavrinhas inesquecíveis: “Era minha maior fã. Sempre me dizia, ‘bate em todo mundo aí’. Era uma mulher incrível. De origem portuguesa ou italiana, não tenho certeza agora. Foi sempre muito guerreira, meu avô morreu muito cedo. Ela tomou à frente de tudo. Cuidava da casa, trabalhava, criou dois filhos muito legais, a minha mãe, Solange, e meu tio, o Alcides. Eu era o xodó da minha vó, a neta caçula. Passava as férias com ela em Santos, ela me levava pra passear, ficávamos assistindo Sessão da Tarde e novelas”.

Agora que o Brasil a conhece – “será que é mentira, será que é comédia, será que é divina” –, Beatriz desembarcou da França, depois de um pulinho na Torre Eiffel e selfies diante da Monalisa, com uma preocupação, que divide com o marido, o ex-jogador de basquete e terapeuta esportivo, Daniel Souza. “Sou mocinha de shopping, gosto de ficar zanzando… E agora, que vão me reconhecer? Já sei, vou andar disfarçada”. E gargalha.

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O casamento com o marido, o ex-jogador de basquete Daniel Souza: “Sou mocinha de shopping” (Reprodução/Instagram)

 

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