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Como a história do futebol julgará Tite

Como Telê em 1982 e 1986, ele também levou o Brasil a duas Copas – e voltou sem a taça

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 dez 2022, 18h47 - Publicado em 10 dez 2022, 13h27
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  • DOHA – No futebol – ao menos no ambiente que cerca o futebol brasileiro –, a estatística tem valor muito relativo. Senão, vejamos os números de Tite no comando da seleção: 81 jogos, com 60 vitórias, 15 empates e apenas 6 derrotas. O aproveitamento é de 80,2%. Foram 174 gols marcados e 30 sofridos.  Na ponta do lápis parece extraordinário. Contudo, nessa franja pequena dos 18,5% negativos, um pedacinho de nada, cabe um mundo de derrotas indeléveis – e é por elas que Tite será lembrado, como seria lembrado se no caminho tivesse conquistado grandes títulos. No trecho ruim de sua trajetória contam a derrota para a Bélgica por 2 a 1, pelas quartas de final da Copa de 2018; o empate de ontem, contra a Croácia, a caminho da derrota nos pênaltis, também pelas quartas; e a perda da Copa América de 2021, para a Argentina de Messi, no Maracanã, por 1 a 0, no primeiro título internacional de relevância do gênio canhoto.

    Houve, evidentemente, decisões positivas de Tite, como a de chamar jovens para o Catar, numa saída necessária da era atrelada à neymardependência – Vinicius Jr. e Rodrygo têm longa e otimista história pela frente. Convém, contudo, não esquecer de convocações erradas como a de Daniel Alves, aos 39 anos. São questões pontuais, grãos de areia no meio do deserto, e talvez seja melhor entender o trabalho de Tite de modo mais amplo – o tal “processo”, como ele costuma dizer, em titês castiço. Ele costuma se lembrar que pegou um trabalho pelo meio do caminho, em 2016 e agora, em 2022, por completo. Não funcionou nem lá, nem cá. Ou melhor: não chegou aos resultados traduzidos por taças.

    Tite já disse que vai embora, e deve tirar um ano sabático. Tê-lo fora – embora seja natural – não pode ser sinônimo de uma pandemia atávica no Brasil dos cartolas: perdeu, caiu. Dá para perder e permanecer, é claro. Mas o treinador gaúcho comandou a canarinho em duas Copas e não foi campeão – numa terceira, seria um fenômeno inexplicável. Como ele, é fundamental lembrar, Telê Santana também disputou dois mundiais – os de 1982 e 1986 – e saiu de mãos abanando.

    Tal como Telê em 1982 – guardadas todas as gigantescas proporções –, Tite pecou por não ter segurado um pouco mais o time na defesa. Em 1982, teria sido o caso de Telê fechar um pouquinho mais o jogo – um anátema para aquela seleção bailarina e espetacular. Tite, no avesso de seu modus operandi em clubes que dirigiu, levou para o Catar um cipoal de “perninhas rápidas”, como ele diz, para o ataque. Havia poucos meio campistas afeitos a organizar a toada de jogo – e um deles, Everton Ribeiro, mal entrou em campo. No já mítico contra-ataque croata ao final da prorrogação, havia 7 brasileiros no campo do adversário. Um vídeo da partida mostra Neymar reclamando com Fred: “Não tem necessidade de você subir, véi, tem que ficar aqui… tava 1×0, falta 5 minutos”.  Tite, portanto, teria errado pelo o que nunca fez o foi, já que sempre alimentou a retranca, a segurança. A bem da verdade, um outro flagrante da prorrogação contra a Croácia, segundos antes do lance que culminou no gol de empate europeu, vê-se o treinador gesticulando para os jogadores, como quem pede para que permaneçam atrás e não “ subam”.

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    Se foi isso mesmo o que aconteceu – a turma de trás não obedeceu o clamor de Tite – há, portanto, um outro nó, inesperado: sua ascendência ao time. Se mandou, por que não obedeceram? É a crueldade da engenharia reversa, agora é fácil analisar, sem o calor da hora. Tite tem todo o direito de reclamar da severidade do olhar a posteriori. Mas assim é, e na prática do cotidiano, das coisas da vida, só é possível chegar a conclusões depois dos resultados.

    Soou estranho, contudo, o treinador dar ordens e não ser atendido. É inquestionável a proximidade dele com os jogadores. Nas redes sociais – e onde mais? – o ex-empresário de Neymar, Wagner Ribeiro, ainda muito próximo do camisa 10, postou o seguinte, depois da eliminação: “este sr. nunca foi técnico de futebol; ficou anos enganando o povo, perdendo 2 copas; ele só serve para ser o ORADOR da turma de formandos”. Neymar, ainda do vestiário, retrucou: “Não fala merda, Wagner”. O fiel escudeiro Daniel Alves escreveu um manifesto para Tite: “Existem medalhas que não se colocam no peito”.

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    A evidente amizade de Tite com o “grupo”, como se diz no chavão do futebol, tem aspectos muito bons. Mas ela exalava, ao menos nos últimos meses, um outro desarranjo. VEJA apurou que havia um fosso entre a turma de Tite na chefia da seleção e a CBF, como se fossem duas entidades diferentes. Uma não se entendia com a outro. Tite, afinal, tinha sido contratado na gestão anterior da confederação, antes que um escândalo de assédio moral e sexual afastasse o presidente Rogério Caboclo. Com o atual mandachuva, Ednaldo Rodrigues, a relação é apenas protocolar. Dirigentes da entidade chegaram a reclamar do exagero das comemorações dos gols contra a fraquíssima Coreia do Sul e da “dança do pombo” do treinador, depois de um gol de Richarlison. A alegação para tanta alegria: o Brasil é assim, o Brasil é alegre, não podemos abandonar nossas origens etc. Mas de que adiantou se, três dias depois, havia a Croácia no meio do caminho? Havia também problemas, entre CBF e o treinador, em relação ao cotidiano da seleção no Catar. Tite se ateve às entrevistas coletivas e abriu para a imprensa raros horários de treino, em evidente distanciamento. “Cadê a transparência que ele tanto pregou?”, indaga uma pessoa próxima à delegação, mas que preferiu se manter no anonimato.

    Tite deve anunciar oficialmente sua saída nos próximos dias. Ele promete um período sabático. O novo treinador da seleção – decisão do presidente da CBF – sairá apenas em janeiro.

     

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