Qualquer pessoa que disponha de poder pode fazer uma revolução, mas serão duradouras somente aquelas baseadas na educação e no conhecimento. A avaliação é do historiador Leandro Karnal, entrevistado no evento Amarelas ao Vivo, promovido por VEJA nesta terça-feira em São Paulo, ao comentar o potencial de mudança da paralisação dos caminhoneiros, em vigor há nove dias. “Nós não estaremos falando muito dessa questão dos caminhoneiros daqui a cinquenta anos, mas ainda estaremos debatendo o que Descartes fez no processo cientifico no século XVII.”
Em entrevista ao jornalista Mauricio Lima, redator-chefe e colunista de VEJA, Karnal falou sobre o tema “O saber é a única revolução”. Para o professor da Unicamp, as instituições de ensino estão ficando para trás com relação às mudanças causadas pela presença do telefone celular. “A escola ainda tem muito a avançar rumo à incorporação de um novo padrão de conhecimento”, observa. “É a primeira vez na história que eu não tenho a mínima ideia do que será útil daqui a quarenta anos”, diz a respeito do grande volume de informações às quais as pessoas estão expostas diariamente.
Para ele, o desafio da escola no futuro é estimular a curiosidade e a capacidade de análise em vez de simplesmente fazer os alunos repetirem o conhecimento transmitido. “A primeira grande questão é ensinar as pessoas a perguntar, serem curiosas e a duvidar. A escola não pode ser dogmática.” E vê um declínio do espaço presencial para ensino. “Temos diante disso dois caminhos: a volta aos modelos clássicos de escola aristotélica, em que em vez de uma sala o professor caminha com os alunos e produz conhecimento a partir da realidade, ou [um modelo de escola] não presencial, via internet”. Mas faz ressalvas em relação à perda da sociabilidade que o estudante pode sofrer com esta mudança.
O historiador observa que, graças aos aparelhos móveis, esta é a geração que mais lê na história. Mas há deficiência na capacidade analítica. Para estimular uma leitura mais aprofundada, Karnal recomenda um método de gradação, até chegar aos clássicos — que não são “simpáticos” como um best-seller, porque não buscam seduzir os leitores. “Machado de Assis é um excelente autor, mas quando li pela primeira vez, na 7ª série, tive pouco interesse. Romances adultos não atendem à preocupação da primeira juventude”, exemplifica.
Karnal marca uma diferença entre um intelectual e um professor. Enquanto o primeiro cuida do conhecimento, o segundo cuida de sua transmissão. “Nem sempre um intelectual é um professor. Quem dá aula para um 6º ano pode fazer qualquer coisa. Dar aula num doutorado não exige o mesmo esforço”, diz. Sobre a qualidade do ensino, ele não vê, na média, muita diferença entre a rede particular e privada. Como exemplo cita os bons resultados que escolas públicas atingem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).