Não foram poucos os artistas e personalidades do esporte que viraram alvo da Receita Federal nos últimos anos. O apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho, e os esportistas Gustavo Kuerten e Neymar são alguns dos vários nomes que já tiveram de enfrentar o implacável adversário da Justiça devido à sonegação de impostos. Embora sejam casos distintos, o motivo que leva ao infortúnio é sempre o mesmo. A receita entende que há suspeita de fraudes nas relações contratuais entre esses artistas e as empresas para as quais eles prestam serviço. Em tese, não se aceita que essas personalidades sejam contratadas como pessoa jurídica, ainda que o artigo 129 da Lei 11.196/2005 seja favorável ao contribuinte. Mesmo assim, a Receita segue cobrando centenas de milhões de reais a título de multas sobre o pagamentos de impostos recolhidos de forma irregular. O imbróglio, no entanto, está prestes a ter um fim.
Desde o fim dos anos 2000, tramita na Justiça uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) para reconhecer o mérito do artigo 129 da Lei 11.196/2005. O processo enfim está sendo votado no Supremo Tribunal Federal (STF), com decisão favorável para quem atua nos meios de comunicação e nos grandes grupos de mídia: 7 a 2 a favor da constitucionalidade. Os votos dos ministros Cármen Lúcia (relatora do processo), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Luiz Fux, foram pela procedência do pedido de declaração de constitucionalidade do art. 129 da Lei n. 11.196/2005. Já os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber foram contrários. O ministro Roberto Barroso declarou-se suspeito no processo e o ministro Dias Toffoli (presidente da corte) pediu vistas. Ainda não está fechado o julgamento, mas o plano indica que não deverá haver reviravoltas no caso.
Ao admitir a constitucionalidade da Lei, os ministros do STF podem colocar o Estado em maus lençóis. É possível que artistas e desportistas que se sintam lesados por pagamentos realizados à Receita em processos nos quais eram julgados por sonegação de tributos e impostos, entrem na Justiça para reaver as quantias pagas. “Se estiver dentro do prazo prescricional, a pessoa lesada pode entrar com uma ação de repetição de indébito tributário para pedir o dinheiro de volta na Justiça. Vai levar um tempo, mas ela vai ganhar o processo, porque o STF já decidiu pela constitucionalidade do artigo 129”, analisa Marcelo Magalhães Peixoto, tributarista e presidente da Associação Paulista de Estados Tributários (APET). Ou seja, o cenário desenhado poderá ser catastrófico para as contas do Estado.
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Clique e AssineEm 2016, tanto Guga como Neymar se viram numa encruzilhada ao serem maculados pela Receita Federal. Sobre o tenista, cobrava-se o pagamento de multas que chegavam a mais de 5 milhões de reais. Questionava-se o pagamento de imposto sobre receitas e patrocínios do tenista entre 1999 e 2002 – ele pagou os impostos via sua empresa, e o governo entendia que a tributação deveria ser feita sobre a pessoa física. A diferença de alíquota subiria de 20% para 27,5%. À mesma época, o futebolista foi multado em 188 milhões de reais pelo fisco e teve seus bens bloqueados por não ter pago impostos pelos rendimentos de imagem enquanto defendia o Santos e também por irregularidades na sua negociação com o Barcelona. Ambos recorreram ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf.
Com a decisão do STF, o pagamento de tributos cobrados de forma indevida pela Receita pode se tornar um grande pesadelo para o equilíbrio das contas do Estado. “Depois dessa decisão do Supremo, a possibilidade de ganho por parte desses profissionais que recorreram às cobranças da Receita na Justiça é enorme. O artigo defende que os artistas, os jogadores, as pessoas que exercem atividades intelectuais e têm sua imagem vinculada à mídia, podem sim ser contratadas como Pessoa Jurídica. Não tem nenhuma inconstitucionalidade ou incompatibilidade nisso”, reforça Magalhães Peixoto. A decisão abre uma janela para que as empresas não se prendam somente à contratação pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), desde que, claro, não se comprove vínculo empregatício entre o prestador de serviço e a empresa.