Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês

Roberto Pompeu de Toledo

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Continua após publicidade

O decano

Com a aposentadoria do ministro Celso de Mello o STF perde o integrante que melhor representa as virtudes da instituição e a democracia brasileira

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h01 - Publicado em 9 out 2020, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Com a aposentadoria do ministro Celso de Mello o Supremo Tribunal Federal perde o integrante que melhor representa as virtudes da instituição e a democracia brasileira se desfalca de um de seus mais resolutos defensores. O professor da USP Rogério Arantes, em seminário do site jurídico Jota, definiu, pelo avesso, o conjunto de qualidades que caracterizam sua atuação: “O ministro Celso de Mello não se propõe à articulação política, não atravessa a Praça dos Três Poderes, não se ocupa da defesa corporativa da classe dos juízes, não busca a mídia, não parece ser de intriga, não é da vanguarda iluminista e não tem obsessão pela divergência ou pelo voto minoritário”. Não é difícil adivinhar: entre os atuais integrantes da Corte há sempre um em que cabe pelo menos um dos vícios arrolados.

    Celso de Mello rejeitou desde sempre a promiscuidade brasiliense. As noitadas, preferiu gastá-las, até altas horas em seu gabinete, entre os livros e os processos. Em entrevista a este colunista, em 2018, disse ter aprendido ao tempo de estudante na Faculdade de Direito da USP (onde se formou em 1969) que um juiz não deve ir a festas. Se o convite for irrecusável, que faça uma exceção, mas observando a lei dos três “S”: saudar, sorrir e sumir. Na mesma entrevista, respondeu com alarme a uma pergunta sobre as brigas, então no auge, entre membros da Corte: “Nunca vi isso. Sempre soubemos que havia grupos em outros tribunais, maiores, mas não na pequena comunidade que é o STF”.

    Nos últimos anos muitos ministros aposentaram-se antes do tempo — Francisco Rezek, Ellen Gracie, Nelson Jobim. Celso de Mello foi ficando, e é fácil imaginar por quê: ele ama a instituição. É o ministro que mais pesquisa a sua história e mais cita as porfias passadas. Nomeado pelo presidente Sarney, em maio de 1989, foi o terceiro a ingressar no STF (depois de Paulo Brossard e Sepúlveda Pertence) sob a Constituição de 1988. Naqueles anos a maioria dos ministros vinha da ditadura e tendia, segundo o professor do Insper Diego Werneck, outro dos palestrantes no seminário do site Jota, “a ler a Constituição com olhos antigos, modulando para menos muitas de suas inovações”. Nesse ambiente Celso teria sido um arauto dos novos tempos, a exigir um papel ampliado ao STF e “à própria ideia de Constituição”.

    “Celso de Mello seria o primeiro e o último a exercer o papel ao feitio que lhe emprestou”

    Se começou bem como ministro, Celso de Mello terminou melhor. Com seus 31 anos e um mês de STF, bateu um recorde, no período republicano. Antes dele a marca pertencia a Hermínio do Espírito Santo (29 anos, onze meses e 24 dias), seguido de André Cavalcanti (29 anos e oito meses), segundo pequeno livro do próprio Celso sobre o tribunal. Com a aposentadoria de Sepúlveda Pertence, em agosto de 2007, ele virou o decano, e nos treze anos e dois meses seguintes conferiu substância a um posto antes “apenas simbólico e protocolar”, segundo escreveu, num artigo recente, Felipe Recondo, coautor do livro Os Onze, sobre o STF.

    Continua após a publicidade

    Como decano, entre outros momentos, destacam-se seus reptos aos arroubos intimidatórios dos generais bolsonarianos. Quando o general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, manifestou seu “repúdio à impunidade”, na véspera do julgamento que poderia beneficiar o ex-presidente Lula, respondeu com uma condenação a “práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir”. E quando o general Heleno alertou sobre as “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” que poderiam advir da eventual apreensão do celular de Bolsonaro, no curso das denúncias do juiz Sergio Moro, serviu-se da típica alta retórica para duplicar a dureza na resposta: “Ninguém, absolutamente ninguém, não importando que se trate de cidadão ou agente público, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar a autoridade do ordenamento jurídico do Estado”.

    Numa quadra em que nos faltam estadistas na política, Celso de Mello, quando necessário, preencheu a lacuna. Os próximos decanos serão Marco Aurélio, até julho, e em seguida Gilmar Mendes. Nenhum dos dois goza da mesma unanimidade entre os colegas, nem do mesmo espírito superior às idiossincrasias, aos partidarismos e às quizilas. Felipe Recondo também não vê exemplo à altura no passado do STF, o que o leva a supor que Celso de Mello seria o primeiro e o último a exercer o decanato ao nobre feitio que lhe emprestou.

    Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

    Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    1 Mês por 4,00

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.