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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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A diferença entre a PEC do PT e a liminar de Mendes é a que existe entre o estado de bagunça e o estado de direito

O Estadão não tente me deixar triste! Seus editoriais integram quase sempre a parte legível, e com méritos, do jornalismo diário impresso. E não é tanta coisa assim! Por isso, quando erra, é o caso de a gente lamentar. E errou feio na edição desta sexta ao aderir a uma prática que não é comum […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h22 - Publicado em 27 abr 2013, 08h21

O Estadão não tente me deixar triste! Seus editoriais integram quase sempre a parte legível, e com méritos, do jornalismo diário impresso. E não é tanta coisa assim! Por isso, quando erra, é o caso de a gente lamentar. E errou feio na edição desta sexta ao aderir a uma prática que não é comum naquelas páginas: a “opinião nem-nem”. A “opinião nem-nem” é uma das doenças do nosso jornalismo. O sujeito quer dizer o que pensa, mas ou pretende que ninguém se zangue ou prefere que todos se zanguem para que não o tomem como partidário disso ou daquilo. Ora, quando se opina com receio do julgamento ou do público ou de milícias, então já não se é mais livre. Na era da patrulha, se a gente não tomar cuidado, tem de ouvir os movimentos sociais, as ONGs e os “progressistas”  até para decidir se toma um Chicabon ou um Eskibon…

O jornal deu ontem uma boa pancada na PEC aloprada do deputado petista que submete decisões do Supremo ao Congresso e até a plebiscito. Acusou seu óbvio viés autoritário e invasão de competências. Mas aí cometeu o pecado de criticar também o ministro Gilmar Mendes, que teria exorbitado da competência do STF ao conceder liminar a mandado de segurança contra o projeto que limita a criação de novos partidos e concede a Dilma Rousseff quase o monopólio do tempo de TV em 2014.

Foi um mau passo. Ouso dizer que o editorialista não leu a liminar concedida por Mendes. A integra está aqui.

Em primeiro lugar, o Supremo detém o controle de constitucionalidade de atos do Legislativo quando estes disserem respeito, como é o caso, a bens protegidos pela Constituição. Assim, não há usurpação nenhuma. O ministro cita longuíssima jurisprudência para demonstrar que “é também firme o posicionamento desta Corte no sentido do cabimento de mandado de segurança para ‘coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional”.

Cumpre considerar que o Legislativo não tem competência para cassar prerrogativas constitucionais do Supremo, mas o Supremo pode, sim, coibir atos do Parlamento incompatíveis com a Constituição. “Ah, mas caberia uma liminar?” Ora, cabe quando se percebe que uma aberração está sendo praticada a toque de caixa, em regime de urgência, como se a celeridade corrigisse os vícios de origem.

Mendes acatou preliminarmente a argumentação do impetrante, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), segundo quem estava havendo abuso de poder legislativo, verificado a partir dos seguintes aspectos (em azul):

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“(1) tramitação de projeto de lei casuisticamente forjado para prejudicar destinatários certos e definidos na presente legislatura; (2) esvaziamento do direito fundamental à livre criação de novos partidos e do pluralismo político, nos termos em que definido pelo STF na decisão proferida na ADI 4430; (3) esmagamento e sufocamento de novos movimentos políticos; (4) quebra do princípio da igualdade entre partidos, ainda que permitida certa gradação de tratamento diferenciado; (5) discriminação indevida pela criação de parlamentares de primeira e de segunda categorias; (6) excepcionalidade do caso.”

Assim, que houvesse urgência em estancar o processo, isso é inequívoco. Mas nada disso, ainda, evidencia duas questões de fundo, dois pilares nos quais se sustenta a liminar.

Quando o Supremo julgou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que buscava impedir que o PSD, recém-criado, tivesse acesso a mais verbas do Fundo Partidário e a mais tempo de TV (correspondentes aos parlamentares que migraram para a sigla), OS MINISTROS DO SUPREMO DERAM UMA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO E, POR UM PLACAR DE NOVE A DOIS, decidiram em favor do PSD e contra os impetrantes da ação.

Ora, uma interpretação CONFORME A CONSTITUIÇÃO do Supremo é, para todos os efeitos de direito, CONSTITUIÇÃO! Ou o texto mudou daquela data até hoje? Por isso, esse mesmo Supremo já decidiu que uma interpretação dessa natureza não pode ser alterada por legislação ordinária. SERIA COMO TENTAR MUDAR A CONSTITUIÇÃO COM UM PROJETO DE LEI.

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Reproduzo mais um trecho da liminar de clareza indubitável (em azul):

A proibição do “troca-troca” partidário não representou, por óbvio, a asfixia da liberdade de criação de partidos políticos, garantida pelo art. 17 da Constituição Federal, tampouco a vedação do acesso de novos partidos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão, in verbis:

“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humanas e observados os seguintes preceitos:
(…)

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§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”.

Justamente nesse contexto, o STF, ao interpretar os dispositivos transcritos, em Sessão Plenária realizada em 29.6.2012, julgou a ADI 4.430, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, e concedeu interpretação conforme a Constituição ao inciso II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/97, para assegurar aos partidos novos, criados após a realização das últimas eleições gerais para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, considerada a representação dos deputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos para a nova legenda no momento de sua criação.

Essa interpretação foi observada pelo sistema político nas últimas eleições municipais e, portanto, abarcou os atores políticos aos quais foi aplicada até o momento. O PLC 14/2013 perece afrontar diretamente a interpretação constitucional veiculada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.430, Rel. Min. Dias Toffoli, a qual resultou de gradual evolução da jurisprudência da Corte, conforme demonstrado.

A aprovação do projeto de lei em exame significará, assim, o tratamento desigual de parlamentares e partidos políticos em uma mesma legislatura. Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos específicos.

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Estava ou não em curso uma odienta discriminação, o que caracteriza a urgência em estancar o processo? Mais: o Supremo concedeu ou não o tempo e os recursos do fundo ao PSD com base numa interpretação conforme a Constituição? Tem ou não o Supremo o controle de constitucionalidade dos atos do Legislativo? A gritaria contra a liminar é absolutamente improcedente. Pode-se até achar que o mandato pertence ao partido, não ao eleito. Mas então mudem a Constituição, e aí a gente volta a conversar.

Erro
Assim, convido os críticos a ler a liminar. É um erro gigantesco querer transformá-la em mera resposta à emenda bolivariana do PT. Mendes suspendeu a tramitação do projeto com base na Constituição e na jurisprudência do Supremo; os petistas fizeram o seu projeto com base na experiência de neoditaduras latino-americanas, todas ancoradas no Foro de São Paulo, que enxerga nos respectivos Poderes Judiciários dos países do continente um entrave àquilo que chama “revolução”.

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Os petistas estão querendo arrombar a porta do STF com a sua PEC; com a liminar, Mendes apenas exercita os fundamentos do estado de direito. Interessante, não é? Quando alguns larápios recorrem ao Supremo para não ser obrigados a falar em CPI, nunca se viram petistas ou peemedebistas a se queixar da interferência do Supremo em assuntos legislativos. Nem poderiam. A lei garante que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

É preciso parar com essa bobagem de equiparar os dois atos, os dois documentos. O destino da PEC petista é o lixo porque é uma agressão ao texto constitucional. Já a liminar que suspendeu aquela estrovenga autoritária — e que afronta a interpretação CONFORME A CONSTITUIÇÃO feita pelo Supremo (o que quer dizer afronta à própria Constituição ) — apenas resguarda direitos protegidos pela Carta Magna.

De resto, o plenário do Supremo terá a chance de se manifestar. E, mais uma vez, ficará entre a defesa da Constituição, preservando suas próprias prerrogativas, e a desmoralização. Tomara que faça a coisa certa. Convido o Estadão a considerar que a diferença existe entre a PEC do PT e a liminar de Mendes é a que existe entre o estado de bagunça e o estado de direito.

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