Em meio à fervura olímpica, que o levou a refazer a logística de seus restaurantes apostando ter mais gente à porta, Alain Ducasse, 67 anos, não anda tendo lá muito tempo para flanar, um esporte nacional, nem preparar as próprias criações – uma de suas celebradas especialidades é uma junção de sete legumes da estação vagarosamente cozidos numa panela que é só dele, e ninguém mexe. Às vésperas da cerimônia de abertura, que promete um épico espetáculo nas águas do Sena, foi ele que orquestrou o banquete oferecido a chefes de estado pelo presidente Emmanuel Macron sob a moldura de uma cartão-postal daqueles: o Museu do Louvre.
A temperatura na cozinha se elevou com a perspectiva da chegada de 15 milhões de turistas à cidade, parte deles embalada pela ideia de, entre uma competição e outra, entregar o paladar às delícias francesas. Maior detentor de estrelas no Guia Michelin – uma constelação de 21 delas ostentadas em endereços entre Las Vegas, Tóquio, Londres e outros -, Ducasse tornou-se dono de um negócio (ele prefere “coleção de butiques”) que, além de três dezenas de restaurantes, inclui hotéis, livros, uma escola de gastronomia e a produção de chocolates e sorvetes de sabores nunca antes degustados (imagine o de charuto, inspirado em um chá de sabor de tabaco que ele experimentou no Japão).
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Ducasse sabe ser exótico, mas explica haver uma tática embutida no risco de oferecer um item que causa estranheza até mesmo aos mais desbravadores. “Você deve se perguntar: quantos clientes comprariam isso? Talvez 5%. Mas esses 5% vão voltar, porque só encontrarão isso aqui”, diz.
Apreciador da cozinha provençal, por onde começou a enveredar no universo das caçarolas, nos anos de 1970, ele viaja garimpando temperos e variando os sabores, mas mantém os pés bem fincados na tradição francesa. Considera, porém, que seu papel é subvertê-la, inovando para tentar manter o menu vibrante. “Do contrário, viramos peça de museu”, dispara.
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Com um discurso que prega mais simplicidade à mesa (apesar dos inflados cifrões cobrados em casas como o Louis XV, de Mônaco, e a do hotel Le Maurice, em Paris), ele não esconde o deleite diante das estrelas que vem amealhando. “É lógico que podemos viver sem as estrelas, mas ficamos bem melhor com elas”, afirma, sem rodeios. Na entrevista que deu a VEJA, Ducasse fala de Olimpíada, da evolução da gastronomia francesa e do vigor da cozinha brasileira.
O SALTO OLÍMPICO
“É uma oportunidade e tanto para Paris colocar sua gastronomia na vitrine global. Os últimos Jogos na cidade foram em 1924, e o cenário era outro. Não mudei nada no cardápio. A ideia é justamente manter as raízes, os sabores, e mostrar ao mundo. Tive que contratar mais gente e reorganizar o esquema, o que é bom. A ideia é impressionar as pessoas.”
LA FRANCE
“A cozinha francesa está viva, vibrante e se renova com a chegada de jovens talentos à cena. E não é só em Paris que se come bem, não, mas por todo o país. Digo que a culinária é uma das mais belas manifestações da arte de viver do francês. É claro que é preciso olhar para a tradição, mas ao mesmo tempo evitar que se torne peça de museu. Não dá para ter medo de inovar.”
ONDE O SOL NASCE?
“Contar estrelas não é meu esporte favorito. Verdade que Tóquio hoje em dia tem mais delas que Paris. Mas precisamos considerar que a população lá é sete vezes maior. O que, afinal, é essa excelência que as pessoas tanto buscam? Se for a da alta cozinha e das brasseries, bem-vindo a Paris. Agora, para um sushi incomparável, o lugar é o Japão.”
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ÀS RAÍZES
“As mais importantes inovações na cozinha francesa vêm de uma gastronomia feita cada vez mais com produtos locais e da estação, afinados com uma dieta saudável. É por essa trilha que caminha a boa msa. Cozinhar, afinal, é o esforço para proporcionar ao outro um momento de felicidade. Da decoração do ambiente ao guardanapo impecável, tudo conta. O momento da refeição deve ficar registrado na memória.”
O PAÍS DO FUTURO
“O Brasil é um dos países que mais vem experimentando mudanças em sua culinária. Alex Atala encabeçou essa evolução e, agora, uma nova geração segue ampliando o movimento. Aprecio a diversidade de sabores regionais e a mescla local de inspirações – portuguesa, africana, asiática. Tenho certeza de que, nos próximos anos, o país se tornará um destino imperdível para quem quer gastronomia de alto sabor e qualidade.”