A decisão do ministro Alexandre de Moraes de autorizar busca e apreensão nos endereços de empresários bolsonaristas nesta semana continua gerando reações diversas. Enquanto alguns setores da sociedade criticam a postura do magistrado, outros apoiam a tentativa do ministro de reafirmar a soberania da Constituição Federal.
No início da semana, a coluna já havia escrito que o trabalho de Alexandre de Moraes tem sido importantíssimo para estabelecer de forma clara qual é o limite da liberdade de expressão no Brasil.
No caso das ameaças de golpe vistas nas mensagens dos empresários, há um outro fator ainda mais importante e que não tem pesado na discussão.
A decisão de Moraes é, de fato, um remédio amargo. No entanto, esse remédio é necessário hoje porque, no passado, nós falhamos como sociedade ao aceitar o fim da ditadura sem uma Justiça de transição que punisse de forma eficaz aqueles que usaram as instituições e o Estado para prender, torturar e matar seus cidadãos.
Os quartéis foram construídos para proteger, não para a maior vergonha já cometida pelo estado brasileiro.
O Brasil errou lá atrás em não coibir o “discurso golpista” que foi encerrado de forma contundente em todos os países que passaram por uma ditadura.
Nações como Chile e Argentina, por exemplo, trataram de forma assertiva a raiz golpista e, logo após o regime de exceção, tiveram uma Justiça de transição eficaz. Por lá, nem a direita que esteve no poder após a redemocratização defendeu regimes totalitários. Ao contrário, condenou a ditadura – sendo chamada de forma justa de direita democrática.
O que aconteceu no Brasil, vergonhosamente, foi um “acordão” com a Lei de Anistia no meio de um governo militar – e feita pelos próprios militares para protege-los de qualquer crime que tenham cometido. Isso sim é uma excrescência jurídica.
Não há liberdade de expressão quando se fala em golpe e em violar a Constituição.
A nossa Carta Magna é clara ao dizer que o golpe não deve sequer ser discutido, mas isso não é respeitado no Brasil justamente porque falhamos em não fazer uma justiça de transição eficaz.
Não, um cidadão brasileiro não pode defender um golpe.
A ideia de que o brasileiro pode dizer o que quiser sobre rasgar os preceitos básicos constitucionais, e não ser punido por isso, é uma consequência da falha que aconteceu após a redemocratização brasileira – o país que vive um fenômeno único no qual pode-se defender até torturadores abertamente, mesmo que a apologia à tortura seja crime.
Se, lá atrás, tivéssemos punido os ditadores e torturadores, hoje não estaríamos passando por essa situação.
O pensamento típico do bolsonarismo de cogitar golpe, quando seus opositores se aproximam de entrar no poder, só ganha espaço porque erramos nos governos pós-ditadura.
E esse erro veio sendo mantido por todos os ex-presidentes, inclusive Fernando Henrique, e os petistas Lula e Dilma. Os líderes também erraram ao aceitar os acordos do passado. Embora tenha ao menos tentado fazer a Comissão da Verdade, Dilma não foi assertiva na estratégia e a comissão acabou sem punir ninguém.
A Constituição não é uma “cartinha”, para usar a palavra da moda de Bolsonaro. Ela é o norte do país. Todos devem respeito a ela e Moraes está agindo para garantir isso.
Se tivéssemos feito o dever de casa – como todas as outras nações que passaram por tiranias -, talvez hoje a discussão às vésperas de uma eleição fosse muito mais relacionada aos projetos para o país do que sobre ameaças de golpe.
No Jornal Nacional, Jair Bolsonaro disse, por exemplo, que seus apoiadores que defendem o fechamento do Congresso estão exercendo a liberdade de expressão. Moraes está apenas afirmando – acertadamente – que não.