A Polícia Federal concluiu nesta terça-feira, 29, as investigações do inquérito que apurava suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na corporação. O relatório final não atribuiu crimes nem ao presidente nem ao ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, que deixou o cargo em abril de 2020 acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF. Eram investigados possíveis crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada por parte do presidente, enquanto Moro era investigado por denunciação caluniosa e crimes contra a honra.
“Por todo o exposto, concluímos que, dentro dos limites da investigação traçados pelos Exmos. Ministros Relatores, no âmbito da esfera penal, não há nos autos elementos indiciários mínimos de existência de materialidade delitiva imputada ao Senhor Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO assim como também ao Senhor SÉRGIO FERNANDO MORO”, escreveu o delegado Leopoldo Soares Lacerda ao ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação no Supremo.
O documento de 99 páginas cita a falta de “prova consistente” contra Jair Bolsonaro. “No decorrer dos quase dois anos de investigação, dezoito pessoas foram ouvidas, perícias foram realizadas, análises de dados e afastamentos de sigilos telemáticos implementados. Nenhuma prova consistente para a subsunção penal foi encontrada. Muito pelo contrário, todas testemunhas ouvidas foram assertivas em dizer que não receberam orientação ou qualquer pedido, mesmo que velado, para interferir ou influenciar investigações conduzidas na Polícia Federal”, sustenta o delegado.
Em relação a Sergio Moro, Leopoldo Lacerda classificou como “indiscutível” o conhecimento do ex-juiz na área criminal e ressaltou que, ao depor aos investigadores, Moro não atribuiu crimes a Bolsonaro. O ex-ministro, hoje pré-candidato à Presidência, afirmou que pretendia “esclarecer as circunstancias de sua saída” e “preservar a autonomia da Polícia Federal” porque, em sua avaliação, as trocas que o presidente pretendia fazer no comando da PF, “sem uma causa apontada”, configurariam interferência política na corporação.
Após a conclusão do inquérito, o relatório será submetido à Procuradoria-Geral da República, que vai analisar o resultado da apuração para decidir se apresenta ou não denúncia contra os investigados ao Supremo.
A investigação
O inquérito foi aberto pelo ex-ministro do STF Celso de Mello a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, em abril de 2020, depois de o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro pedir demissão e acusar Bolsonaro de tentar interferir na corporação por meio das trocas do então diretor-geral, Maurício Leite Valeixo, e do superintendente da PF no Rio de Janeiro. Valeixo foi demitido à revelia de Moro, que pediu para deixar o cargo no mesmo dia. Mello foi substituído por Moraes na relatoria após sua aposentadoria da Corte, em outubro de 2020.
Em entrevista coletiva após pedir demissão e em seu depoimento, o ex-ministro disse que o presidente pretendia fazer as mudanças para ter na PF um diretor com quem pudesse interagir e que lhe fornecesse relatórios de inteligência. Moro também figura como investigado no inquérito.
O escolhido por Bolsonaro para o posto foi o delegado da PF e diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, amigo dos filhos do presidente. Alexandre de Moraes, no entanto, barrou a posse de Ramagem por entender que havia indícios de “desvio de finalidade” na nomeação. Bolsonaro, então indicou o delegado Rolando Alexandre de Souza para o cargo.
Foi no âmbito do inquérito que Celso de Mello autorizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto, apontada por Moro como prova de que Bolsonaro pretendia interferir politicamente na PF. Na reunião, o presidente reclamou dos sistemas de informação da Abin e da PF e afirmou que apenas o seu sistema “particular” funcionava. Bolsonaro declarou no encontro que havia tentado trocar a “segurança” de sua família no Rio de Janeiro e, não tendo “conseguido”, estava disposto a trocar até um ministro para fazê-lo.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse.
Segundo Moro, a menção a “segurança” se refere à Superintendência da Polícia Federal no Rio, onde o presidente teria buscado interferir politicamente em função de investigações de pessoas próximas a ele. Bolsonaro alega que se referia à segurança pessoal de sua família no Rio, que fica a cargo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). O presidente, no entanto, também cita “amigos”, que, ao contrário de sua família, não têm direito a escolta de seguranças do GSI.