A infertilidade é um problema que desconhece fronteiras. Gera ansiedade, tensão e frustração, resulta em importantes consequências para a qualidade de vida, impacta o bem-estar social.
A preocupação mundial em torno desse tema levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a considerar a infertilidade como uma doença do sistema reprodutivo. De fato, são milhões de indivíduos afetados nesse contexto em algum momento de suas vidas quando buscam fundar suas famílias.
Hoje, de acordo com dados recentes da própria OMS, estima-se que uma em cada seis pessoas esteve ou está afetada por esse problema.
Para entender melhor a questão e as possíveis soluções a ela, temos de revisitar alguns conceitos. A fertilidade diz respeito ao número de filhos vivos de um casal, enquanto a fecundabilidade é a probabilidade de ocorrer uma gravidez por ciclo de exposição desprotegida. Um terceiro conceito, a fecundidade, define a probabilidade de resultar um nascido vivo a cada ciclo sem uso de métodos anticoncepcionais.
Sem fatores negativos, um casal tem a taxa de fecundidade variando entre 15% e 20% dentro de uma média de relações de duas a três vezes por semana. Uma gestação vai ocorrer em cerca de 80 a 85% dos casais ao final de um ano de exposição, podendo chegar a 90% ao final de dois anos.
Mas a dificuldade de gestar não é apenas uma equação matemática, pois definitivamente está ligada a condições de vida, cuidados de saúde e acesso a eles, informações sobre o próprio corpo e a qualidade das intervenções médicas na prevenção dos problemas e tratamentos.
A definição mais utilizada de infertilidade na terminologia reprodutiva diz respeito à falha de se obter gravidez (evidenciada a presença de um saco gestacional intraútero, com batimentos cardíacos fetais) após 12 meses ou mais de coito regular desprotegido. Quando a mulher tem idade maior que 35 anos, reduz-se o tempo de começar a buscar causas para a dificuldade a partir de seis meses.
Outras situações igualmente podem mudar esse critério para uma busca imediata, como a presença de informações clínicas que levem a uma preocupação de que algum problema maior possa estar acontecendo em relação aos órgãos reprodutivos, masculinos ou femininos, histórico de cirurgias e infecções etc. O mesmo se aplica às mulheres, a despeito de sua condição clínica, a partir dos 40 anos.
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Consideramos a infertilidade como primária quando o casal nunca teve uma gravidez e secundária se conseguiu gestar, mesmo que não tenha chegado ao termo. Novamente nessa distribuição interferem fatores ligados aos meios sociais e de acesso à saúde.
Quanto às causas da infertilidade, elas se distribuem entre fatores femininos (35%), masculinos (30%), origem desconhecida (15%) e associação de fatores do casal (20%).
Felizmente, a atenção com o tema se ampliou. Assim como as soluções se estendem agora a famílias monoparentais, casais homoafetivos e transgêneros. Há recursos para todas as famílias em formação.
Os tratamentos igualmente se expandiram. São possibilidades que passam por correção de hábitos de vida para ambos os sexos, terapias hormonais para as mulheres como de indução da ovulação, relação programada para o período fértil da mulher, correção de problemas como miomas e endometriose… Uma lista extensa, e que não se esgota nisso.
Hoje temos à disposição tratamentos de reprodução assistida de baixa complexidade, como as inseminações intrauterinas (que têm como condição básica a permeabilidade de ao menos uma das tubas e a recuperação de um número mínimo de 5 milhões de espermatozoides com muito boa motilidade ao final de uma seleção no laboratório). E depois as fertilizações in vitro, nas quais espermatozoides e óvulos são colocados diretamente em contato no laboratório, fora do corpo da mulher, buscando-se assim saltar as barreiras que poderiam estar impedindo esse encontro.
Tudo então definido? Não, caminhamos na evolução das culturas dos embriões em ambiente que simulam as condições internas das tubas, na monitorização do crescimento verificado, e novas respostas continuam sendo buscadas em relação ao desenvolvimento embrionário, reações imunológicas e fatores genéticos envolvidos.
As técnicas avançam, mas não se pode perder de vista a questão preventiva. Informar as pessoas sobre a importância de preservar sua saúde, de cuidar de sua casa-corpo. De tomar os devidos cuidados quanto a doenças sexualmente transmissíveis, de abster-se do fumo e alcoolismo, das drogas ilícitas. De procurar seus locais de atendimento de saúde, de tirar dúvidas e buscar a atenção que vai lhes render menos dificuldades reprodutivas um dia.
* Maria do Carmo Borges de Souza é ginecologista especialista em reprodução assistida, membro do conselho consultivo da Rede Latino-americana de Reprodução Assistida e da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e diretora da Fertipraxis – Centro de Reprodução Humana