“Tem dias realmente angustiantes”, ele desabafou, ontem. Falava da inflação em alta, à beira do patamar de dois dígitos (9,85%) nos preços para o consumidor, e dos quase 15 milhões de desempregados, na contagem governamental.
“O que posso dizer aos senhores?” — perguntou-se Jair Bolsonaro. Preferiu responder com a convicção religiosa comum à plateia daquele templo evangélico de Ananindeua, no Pará: “Com fé, com vontade, com crença, nós podemos superar esses obstáculos.”
Dois mil quilômetros ao sul, em Brasília, assessores presidenciais procuravam o Ministério da Economia na tentativa de decifrar sinais do mercado financeiro, onde subiu a projeção de risco de inadimplência do país, se apostava em taxa de juros de dois dígitos no médio prazo e o real seguia em desvalorização.
Respostas objetivas foram dadas pouco antes por agentes financeiros na consulta habitual do Banco Central ao mercado privado sobre expectativas para o desempenho econômico nas próximas semanas. O registro comum foi o da inquietude com o clima de instabilidade fomentado diariamente por Bolsonaro, em conflito aberto com o Judiciário, somado à inflação persistente e ao potencial de desastre fiscal embutido no custo das negociações do governo com aliados para aprovar mudanças nas leis tributárias e administrativas.
Enquanto o mercado financeiro sinalizava em São Paulo o fim da temporada de ilusões, sempre lucrativas enquanto duram, em reuniões políticas em Brasília sobravam diagnósticos sobre o insólito isolamento de um presidente que ainda não conseguiu nem mesmo encontrar um partido para abrigar sua candidatura à reeleição.
“Se bobear, nem disputa”, comentou num desses encontros o presidente do PSD, Gilberto Kassab. “Ele nem está montando nenhum palanque regional, não está se preparando”. Alguém lembrou que, desde junho, Bolsonaro passou a insinuar a possibilidade de não concorrer em 2022. E como ocorre em relação a Lula, que sugere não ser candidato, ninguém acredita.
Bolsonaro aparenta estar perdido no tumulto governamental. Ontem, no templo de Ananindeua, o presidente admitiu que o candidato à reeleição nada tem a oferecer ao eleitorado, além da fé, da vontade e da crença.