O governo está disfuncional. Em vinte semanas, desde a irradiante festa da posse presidencial até às melancólicas reuniões desta terça-feira (30) na Câmara e no Itamaraty.
Lula não conseguiu avançar na reorganização governamental nem na sua agenda diplomática para a América do Sul.
Adiou-se a votação da Medida Provisória sobre a estrutura dos ministérios, cuja validade termina amanhã, simplesmente porque não havia segurança sobre a aprovação na Câmara.
Destino similar teve a ideia de ressurreição da União de Nações Sul-Americanas, motivo formal do convite para a reunião de cúpula no Ministério das Relações Exteriores.
Lula convocou o “Consenso de Brasília”, mas liquidou-o na véspera, quando decidiu reabilitar, com honras de Estado, o ditador venezuelano Nicolás Maduro.
Não conseguiu apoio dos líderes de uma dezena de países convidados sequer para mencionar a Unasul no papel. Ficou para decisão futura, se houver acordo algum dia.
“Basta de instituições”, fulminou o presidente do Uruguai Luis Lacalle Pou, durante o encontro no Itamaraty, acrescentando: “Creio que devemos parar com essa tendência de criação de organizações. Vamos às ações, deixando de lado o caminho que tem se mostrado equivocado.”
Desde a campanha eleitoral, Lula definira a refundação da Unasul como prioridade na política externa para a região. Formatou-a no primeiro mandato (2003-2007) como bloco político de oposição aos Estados Unidos, principalmente em organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA).
O viés antiamericano embalou ambições de competição pela liderança da América do Sul entre Lula, Hugo Chávez (Venezuela) e Néstor Kirchner (Argentina).
A “irmandade”, como Lula define, se perdeu no próprio enredo: Chávez e Kirchner vislumbraram a chance histórica de mitigar o poder regional do Brasil — dono de metade do território, da população e do Produto Interno Bruto (PIB) sul-americano.
A Unasul feneceu nas contradições dos idealizadores. Seu legado foram dois prédios: um na Metade do Mundo, vilarejo na periferia de Quito, agora convertido em escola pública para indígenas equatorianos; outro na vila de San Benito, em Cochabamba, região central da Bolívia, abandonado em meio a denso matagal. Custaram quase cem milhões de dólares, equivalentes a R$ 500 milhões, a maior parte paga pelo Brasil.
São ruínas modernas de uma antiga arquitetura integracionista, baseada na multiplicação de instâncias burocráticas da diplomacia, e desenhada como anteparo ao imperialismo ianque. Deu errado desde a origem, pelas incongruências dos governos Lula, Chávez e Kirchner. A ressurreição, aparentemente, ficou inviável.
Sem o “Consenso” sobre o seu projeto de liderança regional, restou a Lula mais uma extensa declaração conjunta com o ditador venezuelano Maduro. Outra vez, ambos se comprometem “apoiar a promoção e proteção dos direitos humanos”, além de aumentar a cooperação entre agências de espionagem. Pelas contas da respeitada ONG Foro Penal, de Caracas, o regime já prendeu mais de 15 mil civis, muitos processados em tribunais militares.
Semana passada, na reunião do G7 em Hiroshima, Japão, Lula exibiu-se sem rumo no jogo de poder dos EUA, China, Europa e Rússia. Foi e voltou sem obter reconhecimento de “mediador” da paz na Ucrânia como pretendia.
Resta-lhe a política ambiental, cuja vitrine mundial é a Amazônia. É seu melhor trunfo diplomático.
O governo está disfuncional e com muito pouco entusiasmo com a agenda ambiental — o impasse sobre a Petrobras na Amazônia é exemplar. Por isso, deixou o Ministério do Meio Ambiente ser desidratado na revisão da Medida Provisória sobre a reorganização dos ministérios. E, mesmo jogando a toalha, não conseguiu que a MP fosse votada pelos deputados. O risco dela perder a validade é remoto, mas persiste por causa da letargia governamental.
Derrotas legislativas se acumularam nesses cinco meses. O retrocesso na demarcação de terras indígenas é caso exemplar. Será deixado à decisão do Supremo Tribunal Federal.
Inerte e sem votos suficientes no Congresso, especialmente na Câmara, Lula está cada vez mais dependente da arbitragem do STF. É a antipolítica, observam alguns dos seus aliados.