Está aumentando a produção de leis contrárias à Constituição. Triplicou a quantidade de normas anuladas pelo Supremo Tribunal Federal na última década e meia.
Sete de cada dez aprovadas entre 2007 e 2022 acabaram vetadas — no todo ou em parte — porque prejudicavam os direitos constitucionais dos 208 milhões de brasileiros.
A situação se agrava. Somente nos últimos cinco anos foram abolidas 1 101 legislações que o STF julgou inconstitucionais. Em comparação, no quinquênio anterior haviam sido 181. Houve um crescimento exponencial (508%).
Governo e Legislativo mantêm fábricas de leis ativas em Brasília, nos estados e nos municípios regulando tudo ao mesmo tempo para todos. Há 34 000 normas federais em vigor, cada uma com média de 3 000 palavras, balizando a vida de pessoas físicas e empresas.
O Congresso, por exemplo, produziu 759 novas leis durante o ano passado — quase cinco por dia de trabalho parlamentar, com três votações por semana.
Como consequência desse ímpeto legislativo, realçado nos últimos dez anos, a Constituição perdeu o caráter de código permanente. Em 2022 virou um periódico trimestral, com catorze emendas promulgadas em apenas doze meses.
O quadro piora nos estados, demonstra uma série de pesquisas conduzidas pelos jornalistas Marcio Chaer, Lilian Matsuura e Mauricio Cardoso para a revista eletrônica Consultor Jurídico.
O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou inconstitucional 89% da legislação estadual que analisou no ano passado — a quantidade de vetos já é 3,5 vezes maior do que há dez anos. Coisa parecida acontece em Roraima, no Acre, no Maranhão e no estado do Rio. Em Sergipe simplesmente todas as normas examinadas em 2022 foram declaradas incompatíveis com a Constituição.
“Cresce produção legislativa contrária à Constituição”
O reformismo tem moldado a democracia brasileira, mas, paradoxalmente, começou a fomentar um ambiente de insegurança jurídica crescente e permanente. Deve-se à predominância de práticas de má qualidade e de controles deficientes nos governos e nas casas legislativas. É o que explica a nulidade integral ou parcial da maioria das leis federais e atos administrativos editados no ano passado na Presidência da República, no Senado, na Câmara dos Deputados e nas agências reguladoras.
Legislar é ato de escolha, mas governantes e parlamentares cada vez mais têm usado a produção legislativa como plataforma de propaganda da sua atuação política.
Fica visível, por exemplo, quando deputados do Rio decidem atropelar a Constituição e impor a coleta e armazenamento de amostras de DNA de gestantes e recém-nascidos como método de controle de pacientes nos hospitais. Da mesma forma, quando a Assembleia de Mato Grosso resolve proibir a construção de hidrelétricas no Rio Cuiabá. Ou, ainda, quando dezessete estados tentam incluir no foro privilegiado delegados de polícia, diretores de órgãos de trânsito e reitores de universidades — cinco ações foram anuladas no ano passado.
Essas deformações espelham a ineficácia das Comissões de Constituição e Justiça, etapa inicial de todo procedimento legislativo, quando se analisa a compatibilidade com o texto constitucional. No Congresso, nas 27 Assembleias e em 5 570 Câmaras de vereadores esse controle está, praticamente, abandonado. Por isso, quase 90% das leis de municípios paulistas como São Bernardo, Mauá, Andradina, Dracena e São José do Rio Preto, entre outros, anualmente têm sido vetadas pela Justiça.
Relevante, também, são os estímulos à imaginação política dados pelo Judiciário com decisões ambíguas. O Supremo liberou em 2015 a concessão de todo tipo de isenções tributárias nos estados e nos municípios. O resultado está na ampliação do tumulto fiscal numa federação já atolada em 36 000 regras tributárias federais, 147 000 estaduais e 260 000 municipais.
Do outro lado do balcão, observa-se aumento constante no número de decisões de juízes contrárias à Constituição. No ano passado, o STF considerou total ou parcialmente inconstitucionais 67% das decisões judiciais que analisou.
Um país pode se manter com leis ruins. O problema crescente de legislação de má qualidade, ou fora da lei, está nas consequências diretas sobre os direitos de pessoas e empresas. Só aumenta o nível de conflito na sociedade.
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Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843