Lula é candidato com perspectiva real de poder a sete semanas da eleição, e parte dos empresários se mostra inquieta com a eventualidade do seu retorno ao governo.
As justificativas variam entre convicções antipetistas e cobranças por propostas claras e objetivas para a saída da crise. Lula teve tempo suficiente no último ano e meio para preparando a candidatura e apresentar ao país algo mais do que a biografia como garantia de estabilidade num futuro governo.
“La garantía soy yo”, como ironiza em privado, remete ao clima dos anos 90 no ABC Paulista quando montadoras de eletroeletrônicos enfrentavam a competição dos importados paraguaios. O publicitário e roteirista Paulo Bione criou para a Semp Toshiba um anúncio de televisão com um vendedor paraguaio disfarçado de japonês, que repetia à clientela brasileira: “No necesita la garantía, la garantía soy yo”.
Por essa época, Fidel Castro visitou Salvador. Ao descrever oportunidades de investimentos em Cuba, um jornalista perguntou-lhe sobre garantias aos investimentos estrangeiros. Quem viu, não esquece a sagacidade de Fidel: “Ao contrário de outros países não há o risco de uma revolução socialista em Cuba”.
Cobrar de Lula e de Bolsonaro ideias sobre o resgate do país talvez seja uma inconveniência eleitoral: eles se elegeram adversários e optaram pela estridência da pancadaria verbal em vez da sonoridade do debate político.
Empresários são atores políticos relevantes na fase de campanha e, principalmente, no governo. A endêmica alergia a mudanças tem balizado as conversas em entidades da indústria, do comércio, da agricultura e das finanças no eixo São Paulo-Rio.
Isso surpreende e incomoda Lula, que se queixa das cobranças no samba de uma nota só sobre o “ajuste fiscal”, sem contribuição objetiva de ideias para a resolução da tragédia da concentração da renda nacional. No fim das contas, todos têm razão — e o problema segue intacto na mesa de negociações políticas.
A maioria dos industriais, banqueiros, comerciantes e agricultores é pragmática e avessa à autocrítica, como os partidos e seus candidatos. Mas há uma fração exalando perplexidade com a hipótese de Lula derrotar Bolsonaro em outubro.
É grupo diversificado e minoritário no conjunto das mais representativas entidades empresariais. Compõe a fatia da direita que vê Bolsonaro como portavoz de uma nova ordem autoritária.
Esse núcleo batalhou, por exemplo, para impedir que a Fiesp e a Febraban aderissem à mobilização da semana passada em São Paulo numa vigorosa mensagem pública de defesa da Constituição, das eleições e do Judiciário. Bolsonaro figurou no protesto como sujeito oculto.
Tiveram melhor desempenho na Confederação Nacional da Agricultura, onde o presidente João Martins calculou os votos necessários à própria reeleição pela régua governista. E resolveu homenagear Bolsonaro com veemência surpreendente até para os mais fiéis bolsonaristas. “Não tem mais espaço nesse país para uma equipe corrupta e incompetente e muito menos o retorno de um candidato que foi processado e preso como ladrão” — discursou, diante do candidato favorito nas regiões de expansão da fronteira do agronegócio.
Menos ruidosa tem sido a fração urbana dos empresários enlevados na sedução autoritária. Eles se dividem entre o apoio material e financeiro à militância de extrema-direita do bolsonarismo e o ativismo grupal nas redes sociais.
Travam no mundo virtual uma luta permanente com as próprias contradições na vida real. Se acham liberais, defensores da livre iniciativa individual, porém flertam com a ideia de “golpe”, de ruptura com o regime liberal-democrático, idealizando a continuidade do governo numa relação de benefícios mútuos.
Fragmentos do que pensam esses empresários estão expostos nos extratos de suas conversas em rede, nos últimos três meses, divulgados na quarta-feira (17) por Guilherme Amado, Bruna Lima e Edoardo Ghirotto, do portal Metrópoles.
“Prefiro golpe do que a volta do PT, um milhão de vezes”, escreve José Koury, dono do Barra World Shopping, no Rio, coalhado de símbolos da cultura francesa e britânica, nações onde a democracia e o liberalismo floresceram.
Koury opera na contramão do mundo interconectado, onde instabilidade política é sinônimo de prejuízos: “Com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil.” Acrescentou: “Como fazem com várias ditaduras pelo mundo” — possível remissão à exuberância do mercado na Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte e Bielorrússia, entre outras ditaduras.
A dificuldade, observou Andre Tissot, dos móveis Sierra, está no atraso: “O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo, [em] 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais.”
Quem impede é o Supremo Tribunal Federal, argumentou José Isaac Peres, dono da administradora de shopping centers Multiplan. “É o mais forte partido político da esquerda que faz oposição ao Poder Executivo”, definiu. O Tribunal Superior Eleitoral “é uma costela do Supremo, que tem 10 ministros petistas”. Na sua visão, os dois tribunais representam um risco de fraude: “Bolsonaro ganha nos votos, mas pode perder nas urnas.”
Vitor Odisio, da construtora Thavi, também acha: “Bolsonaro não leva essa eleição de forma nenhuma com essa formação de TSE e essas urnas [eletrônicas]. Esquece.” Sua receita: “Tem que intervir antes, esquecer o TSE, montar uma comissão eleitoral (como quase todos os países do mundo fazem), votação em papel e segue o jogo. Simples assim! Depois da eleição já era, vai ser esperneio.”
Meyer Nigri, da construtora Tecnisa, subiu o tom: “O STF será o responsável por uma guerra civil no Brasil.” E Marco Aurélio Raymundo, mais conhecido como Morongo, comerciante de roupas esportivas, especulou: “Se for vencedor o lado que defendemos, o sangue das vítimas se tornam [sic] sangue de heróis!”
Há expectativa sobre a participação das Forças Armadas no comício de Bolsonaro no 7 de setembro no Rio. O candidato à reeleição apropriou-se da celebração dos 200 anos da Independência na cidade. Liquidou o tradicional desfile militar no Centro e programa ato de campanha em Copacabana com cenário de bandas de fuzileiros, desfile de navios e exibição da Esquadrilha da Fumaça.
Raymundo, o Morongo, parece crédulo em mensagem decisiva do engajamento militar. “O 7 de setembro está sendo programado para unir o povo e o Exército e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o Exército está” —acredita. “Estratégia top e o palco será o Rio. A cidade ícone brasileira no exterior. Vai deixar muito claro.”
Apostas na ruptura política traduzem o temor da derrota nas urnas e o receio desses empresários de acabar no fim da fila de órfãos do poder. Os extratos das conversas revelam agruras de uma fração da direita brasileira diante do próprio fracasso em ganhar uma eleição, montar uma coalizão partidária e realizar um governo conservador e competente, algo comum na paisagem de outros países.
Mostram, também, um grupo de empresários aprisionado num pauperismo de ideias que nada têm a ver com a renovação do pensamento autoritário marcante na vida política do século passado.
São candidatos ao retrato na galeria desenhada pelo industrial Antonio Ermírio de Moraes numa reunião da Fiesp, anos atrás, diante de alguns empresários apreensivos com o retorno do país à democracia: “O negócio de vocês é perpetuar a esperteza como sinônimo de competência.”