A demissão de Bento Albuquerque do Ministério das Minas e Energia expôs uma convergência de crises dentro do governo com impasses na campanha de Jair Bolsonaro.
Albuquerque foi surpreendido por Bolsonaro, na segunda-feira. Quando deixou o Palácio do Planalto já estava “exonerado, a pedido”. Restou-lhe aguardar o anúncio da demissão no Diário Oficial e do substituto, Adolfo Sacshida, advogado, economista e simpatizante do ideário da extrema-direita bolsonarista.
O ex-ministro, antigo comandante da Força de Submarinos e diretor do programa nuclear da Marinha, é um autêntico representante da elite militar, cujo antipetismo derivou no apoio à eleição de Bolsonaro em 2018.
Sua demissão reflete o conflito de interesses que mantém sob tensão as relações de uma parte da cúpula das Forças Armadas com Bolsonaro, seu clã familiar e político — o governo do baixo clero, como alguns definem.
Antes de sair, Albuquerque tentava se equilibrar numa agenda de resoluções praticamente inviáveis durante a temporada eleitoral. Conseguira atravessar sem excessos de ruído, para o governo, a crise energética decorrente da mais grave seca das últimas nove décadas.
Dela sobrou uma conta a pagar, e o Brasil já se destaca entre os países com a energia mais cara no planeta.
Porém, a essa fatura da crise hídrica, que numa conta de padaria estava estimada em R$ 40 bilhões. Isso fez dobrar, em alguns casos triplicar, o valor médio da conta de luz durante o ano passado. Em março, as empresas apresentaram um novo aditivo, com aumento médio de 20% para os consumidores.
Em paralelo, dispararam os preços dos combustíveis, em mais de dois terços importados pela Petrobras, que paga em dólar e vende em real.
Para um governo de dois dígitos (11% de inflação, 12% de desemprego e 12,7% de juros), aumentos na conta de luz e nos combustíveis significam problema eleitoral para o candidato Bolsonaro, dono de rejeição recorde (em torno de 60%) nas pesquisas.
O governo ficou refém e sem saber o que fazer, sobretudo quanto à inflação dos combustíveis. Desprezou, literalmente, a alternativa de criação de um fundo de compensação de preços dos derivados de petróleo que, em abril, completou um ano sem avanço no Congresso.
Bolsonaro escolheu entregar aos líderes do Centrão, Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara, a construção da saída da crise.
Para a energia elétrica, a Câmara consolidou uma versão do projeto de capitalização da Eletrobras, holding estatal de energia elétrica. Nele embutiu uma nova conta para os consumidores, estimada em uma centena de bilhões de reais, a ser paga por duas décadas adiante.
A maior parte desse dinheiro financiaria a construção de gasodutos — paradoxalmente, em locais distantes dos centros de distribuição de gás. Ótimo e lucrativo negócio para empreiteiras especializadas, duvidoso para a política energética e caríssimo para os consumidores.
Desde o início deste ano, discute-se no Palácio do Planalto de onde sairiam os recursos. Fundos do “pré-sal” foi a resposta encontrada, por exemplo, na Casa Civil.
Significa retirar dinheiro já destinado a alguns projetos, financiados com recursos da exploração de petróleo, e transferir às obras dos novos gasodutos.
No alvo preferencial ficou o programa da Marinha para construção do submarino nuclear. Ele consome pouco mais de um bilhão de reais por ano, e no ano passado foi cortado em 49%.
É uma aventura tecnológica com resultado previsto para 2029, quando se pretende lançar ao mar o primeiro submarino convencional com propulsão nuclear brasileiro (codinome SN-BR).
O então ministro Albuquerque, submarinista de carreira reagiu. Tentou negociar, mas nessa batalha naval acabou torpedeado por Bolsonaro, Ciro Nogueira e Arthur Lira, entre outros interessados na nova fronteira de negócios com gasodutos.