Covaxin confirma quem é o mais perigoso adversário de Bolsonaro
Presidente recebeu denúncia e mandou um dos suspeitos anunciar uma investigação — contra quem denunciou contrato suspeito de R$ 1,6 bilhão na Saúde
Jair Bolsonaro se elegeu prometendo “acabar com a corrupção”, recebeu uma denúncia e mandou um dos suspeitos anunciar uma investigação — contra o servidor público que denunciou.
Antes, havia mandado afastar dois outros funcionários, policiais federais que investigavam os enlaces de um ministro com contrabandistas de madeiras da Amazônia.
Todas as digitais visíveis nessas suspeitas de corrupção pertencem a integrantes do governo Bolsonaro.
A oposição a reboque, preocupada com a sobrevivência eleitoral, mantém o padrão dos últimos 29 meses. Mas o caso de ontem confirma: Bolsonaro na presidência é o mais perigoso adversário do Bolsonaro candidato à reeleição.
Basta olhar o retrovisor do pandemônio na pandemia. Três meses atrás, no sábado 20 de março, ele recebeu na residência presidencial os irmãos Miranda, um Luis é deputado do DEM do Distrito Federal, o outro Luis é servidor concursado, chefe da seção de importações do Ministério da Saúde.
A conversa, agora se sabe, ficou concentrada no pacote de papéis sobre um gasto de R$ 1,6 bilhão (US$ 200 milhões) da Saúde na compra da vacina indiana Covaxin — com corretagem privada nacional e a preço 1.000% maior do que havia sido anunciado pela própria fabricante seis meses antes.
O que fez Bolsonaro? Manteve-se em silêncio. Olhando os preços das vacinas contra Covid-19 anunciadas pelo governo, uma procuradora federal de Brasília achou cara demais a Covaxin e resolveu pôr a lupa sobre os contratos da Saúde. Chamou para depor o Miranda chefe de importações da Saúde.
Ele contou uma história sobre “pressões anormais” da cúpula do ministério na contratação da vacina indiana, até hoje não entregue e que ainda não recebeu aval da Anvisa para entrar no programa nacional de imunização.
Destacou entre os autores da coação Antônio Élcio Franco Filho, antigo instrutor nas Forças Especiais do Exército, número dois na gestão do general Eduardo Pazuello na Saúde. Coronel, ele passou à reserva na semana seguinte ao encontro do presidente no Palácio da Alvorada com os irmãos Miranda, e acabou abrigado na Casa Civil.
Ontem, Bolsonaro mandou o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o assessor Elcio Franco anunciarem ações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União contra o deputado federal e seu irmão, servidor da Saúde.
Onyx apelou a Deus, se enrolou na bandeira do patriotismo e, claro, culpou a oposição de conspiração maquiavélica com o deputado Miranda. Esqueceu de mencionar que Miranda é aliado de Bolsonaro e devoto do presidente da Câmara Arhur Lira, do PP de Alagoas, síndico do Centrão em parceria com o deputado Ricardo Barros, do PP do Paraná, o autor da ação legislativa que facilitou o contrato da Covaxin na Saúde.
O show do governo foi acompanhado na CPI da Pandemia e no Supremo à luz do Código Penal. Senadores e juízes coincidiram na conclusão: Bolsonaro expôs o próprio governo num aparente conluio, abuso de poder, intimidação de testemunhas, obstrução de justiça e não cumprimento do dever (prevaricação) por suposto interesse ou má-fé.
Numa coincidência, mandou fazer uma edição extra do Diário Oficial para estampar a demissão do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, investigado no Brasil e nos Estados Unidos por envolvimento em contrabando de madeira da Amazônia. Antes, havia removido os delegados federais responsáveis pelo inquérito contra o ministro, seus assessores e empresas madeireiras.
A demissão de Salles num dia em que suspeitas de corrupção dominaram o clima no Planalto, até pode ter sido acaso. Mas tem precedente.
Um ano atrás, no início do inverno, foi preso Fabricio Queiroz, assessor de um de seus filhos parlamentares, na casa do advogado do presidente. No mesmo dia, Bolsonaro demitiu o ministro da Educação, Abraham Weintraub.
O problema dos excessos de coincidências é que induzem à desconfiança.